Gilson Ely Chaves de Matos – Advogado, mestrando em Aspectos Bioéticos e Jurídicos da Saúde pela Universidad del Museo Social Argentino e especialista em Direito Processual pela Universidade Luterana do Brasil.
Resumo.
O direito civil sempre se preocupou em conceituar as distintas obrigações existentes, classificando-as conforme suas características. A atividade médica não foge à regra da necessidade de ser enquadrada dentro da estrutura jurídica do direito civil, o que, no entanto, tem-se apresentado um grande desafio ante a existência de características próprias que a distingue das demais obrigações. Contudo, o esforço doutrinário tem produzido algumas soluções, sendo a mais aceita atualmente a que considera a atividade médica, como regra geral, uma obrigação de meio e, em algumas exceções, como de resultado. Como se vê, trata-se de uma conceituação dualista e que traz uma série de conseqüências jurídicas e práticas, mormente no campo da produção da prova, o que nos convida a uma análise detida de todos esses aspectos.
Palavras-chave: Atividade médica; obrigação; meio e resultado.
Natureza da obrigação da atividade médica e suas conseqüências.
A clássica classificação doutrinária divide a obrigação médica como sendo de meio, a regra geral, ou de resultado, como exceção aplicada a áreas específicas desta atividade.
Esta classificação é aceita como majoritária pela doutrina no Brasil, Argentina e demais países que sofreram a influência do direito Romano e Germânico. Seu surgimento se deu na França, Itália e na Espanha, sendo Demogue (França) seu primeiro defensor sistemático.
Embora os países de cultura jurídica do Comon Law, como os Estados Unidos, utilizem um sistema distinto, há certa semelhança com a teoria clássica, pois que consideram como regra que o médico não promete êxito no tratamento, somente tem o dever de assegurar o conhecimento necessário e de empregá-lo cuidadosamente.
Conforme traz à baila Lorenzetti (1), é a teoria clássica apresentada por Demogue que tem sido aceita e aplicada majoritariamente, a qual apresenta como características:
– Exerce uma função didática em relação à posição do autor em uma demanda;
– Tem origem no direito contratual, muito embora seja aplicada as obrigações em geral;
– Considera a obrigação de resultado como regra e a obrigação de meio como exceção;
– Essa classificação tem como escopo a distribuição da carga probatória, assim, nas obrigações de resultado a prova recaí sobre o devedor, enquanto nas de meio, o ônus da prova pertence ao credor.
Conforme precisa conceituação trazida por Salvo Venosa, “a idéia fundamental reside na noção de se saber e de examinar o que o devedor prometeu e o que o credor pode razoavelmente esperar (2)”.
No Brasil adotou-se como regra nas atividades dos profissionais liberais, como a médica, a obrigação de meio, a teor da doutrina e jurisprudências que são enfáticas quanto a isso, considerando, como exceção, áreas específicas da atividade médica, a exemplo da cirurgia plástica de cunho estético.
Ao lado desta teoria clássica que apresenta graves problemas em relação aos seus efeitos, outras teorias foram desenvolvidas, a exemplo da que classifica como obrigações determinadas e obrigações gerais de prudência e diligência e/ou garantia, esta desenvolvida por Mazeaud e André Tunc; a da “summa divisio” de Alberto Bueres; a do resultado como “opus” técnico no direito Italiano; a da impureza da realidade; a do fracionamento da classificação, esta elaborada por Atílio A. Alterini na Argentina; dentre outras que se esforçam em corrigir as imperfeições presentes na teoria clássica. Não adentraremos nas variáveis das diversas teorias existentes, por não significarem expressivamente uma solução definitiva à classificação de obrigação de meio e de resultado, buscaremos neste trabalho apresentar os meandros da teoria clássica e suas conseqüências jurídicas, mormente no direito Brasileiro e Argentino, eventualmente, poderemos recorrer a alguma teoria alternativa para enfatizar os problemas detectados na teoria clássica.
O principal destes problemas e o qual guiará nossa preocupação neste trabalho é a vinculação que se faz entre a obrigação de meio ou de resultado e o ônus da prova, bem como na responsabilização subjetiva ou objetiva.
Por fim, não é nosso escopo traçar uma teoria própria, autônoma, inovadora, o que seria por demais pretensioso, o que esperamos é concluir ao final por um caminho mais seguro e equânime no trato com a responsabilidade médica, até que os grandes pensadores e jurisconsultos tracem rotas seguras para um tema tão importante.
Natureza da atividade médica.
Conforme já asseveramos em linhas volvidas, a teoria clássica subdivide as obrigações em: obrigações de meio e obrigações de resultado.
As obrigações de meio estão intrinsecamente ligadas à responsabilidade subjetiva ou aquiliana, enquanto que a obrigação de resultado surge da presunção de uma responsabilidade contratual.
No Brasil, a responsabilidade médica é tratada como subjetiva, a teor do que preceitua o art. 951 do Código Civil e do §4º, do art. 14, do Código de Defesa do Consumidor.
Para Salvo Venosa, o devedor compromete-se somente a empregar os meios apropriados de seu mister, para determinada atividade, o que permitirá ao credor ‘esperar’ um resultado satisfatório, podendo ocorrer que esse bom resultado não seja alcançado. É o que sucede, por exemplo, com o advogado e o médico. Nem o advogado pode garantir o ganho de causa ao cliente, nem o médico pode assegurar a cura do paciente (3).
Este entendimento tem se sustentado há décadas e, com as conseqüências e desenvolvimento das relações havidas entre médico e pacientes, mormente com a proclamação dos princípios informadores da bioética, este enquadramento do ordenamento jurídico brasileiro já tem trazido complicações.
Em razão mesmo disso, é a doutrina que tem se afastado cada vez mais desta classificação que distingue as obrigações em de meios e de resultado, preferindo prestigiar as questões casuisticamente, daí a formação do entendimento de que a responsabilidade advinda de cirurgia estética de cunho embelezador e outras condutas médicas são compreendidas como sendo obrigação de resultado, atraindo mais efetivamente elementos da teoria da responsabilidade contratual.
Salvo Venosa abordando a questão da origem da responsabilidade médica, conclui ser indiferente se tratar de responsabilidade contratual, extra-contratual ou, ainda, como entendem alguns, um contrato sui generis, muito embora reconheça que este não é o entendimento dominante que compreende como sendo a relação médico-paciente estritamente contratual.
Esta classificação de um contrato de natureza sui generis é adotado pelo Código Civil da Alemanha e da Suíça, recebendo no Brasil a adesão de Cavalieri Filho (4), muito embora termine o doutrinador por não verificar mais importância nesta distinção, conforme trataremos adiante, aliás, em sua obra Programa de responsabilidade civil, colaciona decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que corrobora esta conceituação contratual sui generis, senão vejamos:
“Responsabilidade civil. Erro médico. Configuração. Em vista de que o médico celebra contrato de meio, e não de resultado, de natureza ‘sui generis’, cuja prestação não recai na garantia de curar o paciente, mas de proporcionar-lhe conselhos e cuidados, proteção até, com emprego das aquisições da ciência, a conduta profissional suscetível de engendrar o dever de reparação só se pode definir, unicamente, com base em prova pericial, como aquela reveladora de erro grosseiro, seja no diagnóstico como no tratamento, clínico ou cirúrgico, bem como na negligência à assistência, na omissão ou abandono do paciente etc., em molde a caracterizar falta culposa no desempenho do ofício, todos científicos e critérios que, por sua natureza, estejam sujeitos a dúvidas, discussões, subjetivismos.”
Para Venosa, “na atividade médica existe ou pode existir responsabilidade contratual; mas existe também, como em qualquer outra profissão-arte, uma obrigação genérica de não causar dano por negligência, imperícia ou imprudência (5)”.
Já Silvio Rodrigues, adere à doutrina francesa e afirma que hoje a responsabilidade médica é compreendida no âmbito de uma relação contratual, muito embora, contraditoriamente, defenda por outro lado ser como regra geral a atividade médica uma obrigação de meio e não de resultado (6).
Ora, é contraditório adotar-se um entendimento clássico que tem como principal conseqüência jurídica à ligação da responsabilidade contratual como uma obrigação de resultado.
Desta grande confusão derivada pelo esforço dos doutrinadores em enquadrarem a responsabilidade médica dentro da clássica conceituação das obrigações, resta compreender que a obrigação de meio está diretamente ligada à prova pelo autor da ação do seu direito constitutivo, ou seja, deverá o paciente demonstrar cabalmente a culpa (imprudência, negligência e imperícia) do médico; de outro lado, a obrigação de resultado derivada da responsabilidade contratual que faz presumir a culpa, por inadimplência do prestador de serviços, ou seja, do médico, impondo a este a prova de que o dano se originou por caso fortuito, força maior ou por culpa exclusiva da vítima.
Daí a incompatibilidade do enquadramento da responsabilidade médica como regra geral sendo obrigação de meio e, por sua vez, considerá-la uma relação contratual, como sustenta Silvio Rodrigues.
Aliás, o próprio jurista francês René Demogue, sustentou em 1931 a fórmula da responsabilidade médica que tem sido adotada até hoje no Brasil e maioria dos países do Direito Romano e Germânico, “o médico contrata uma obrigação de meio, não de resultado. Ele não deve ser responsável se o cliente não se cura. Ele promete somente cuidados atenciosos e o cliente deve provar a culpa do médico e a relação causal entre a culpa e o ato danoso (morte, etc.)”.
Outro problema também surge na exceção à regra, pois, muito embora a cirurgia plástica embelezadora e outras intervenções médicas sejam consideradas como obrigação de resultado, como exceção à regra, ainda assim seriam consideradas como sendo subjetivas, ou seja, bastaria ao médico demonstrar que atuou com diligência, perícia e prudência para se isentar do dever de reparar o dano.
Por isso que alguns doutrinadores, com apóio jurisprudencial, têm se afastado do intuito de classificar a obrigação médica, em razão mesmo da pouca funcionalidade teórica, conforme traz a lume Lorenzetti (7), que discorre acerca dos argumentos que conduzem a esta atitude, dentre eles a relação direta da natureza da obrigação e a carga probatória, ausência de definição ontológica a cerca do que compreende os meios e os resultados, por fim, indiferente da conceituação teórica da responsabilidade médica, o resultado não é indiferente à obrigação, embora em alguns casos se garanta e em outros não.
A propósito, no Brasil, Miguel Kfouri Neto corrobora do entendimento esposado por Lorenzetti, concluindo que “a evolução do trato jurisprudencial da responsabilidade civil do médico já não se torna compatível com a aceitação desse discrime – obrigação de meios e de resultado – em sua formulação original. Por isso, tal conceito se encontra em fase terminal (8)”.
Para Cavalieri Filho (4), no direito brasileiro, perdeu relevância as discussões acerca da natureza da responsabilidade médica após o advento do Código de Defesa do Consumidor, para ele a responsabilidade médica/hospitalar deve ser analisada através de dois prismas e por orientação do que estabelece o Código Consumerista, ou seja, o médico na qualidade exclusivamente de profissional liberal e o hospital, clínica, sanatório, etc. na qualidade empresarial.
Então, se a doutrina clássica já se torna incompatível com as transformações havidas no campo da responsabilidade médica e, por sua vez, não se apresenta nenhuma teoria civilista que satisfaça a realidade atual, qual o tratamento teórico a ser dado à responsabilidade médica?
Penso que, deixando de lado a teoria dualista da obrigação de meio ou de resultado, por falta mesmo de reflexos práticos, deve-se primeiro ter como foco a regra geral inserida na legislação e, no Brasil, está evidente tratar-se a responsabilidade médica como sendo subjetiva, ou seja, é ela decorrente do atuar imprudente, negligente e imperito.
A partir deste prisma, conforme a necessidade do caso concreto e, também, com escopo dos elementos existentes na legislação processual, corrigi-se as imperfeições processuais advindas da responsabilidade subjetiva, de forma a considerar o ordenamento jurídico como um todo, o qual responde efetiva e corretivamente a suas imperfeições, quando analisado de forma integrada dentro de um sistema.
Responsabilidade objetiva da pessoa jurídica prestadora de serviços médicos.
Há casos em que a doutrina entende que, mesmo se tratando de uma relação jurídica que tem como objeto uma prestação de atividade médica, ocorrerá a responsabilidade objetiva.
A primeira hipótese é quando ocorre um contrato com pessoa jurídica, no caso, um hospital, uma clínica, casa de saúde, dentre outros. Por força do que dispõe o Código de Defesa do Consumidor, essas pessoas jurídicas são prestadoras de serviços e, como tal, respondem objetivamente pelo dano causado por seus prepostos, no caso, médicos, enfermeiros, técnicos e todo o corpo de funcionários.
Trata-se neste caso da aplicação da teoria do fato do serviço (9), ou seja, a pessoa jurídica que aufere os lucros, as benesses da exploração da atividade, também deverá suportar os ônus, ou seja, arcar com os danos advindo dessa atividade pelo defeito do serviço.
A previsão legal para a aplicação da responsabilidade objetiva é obtida da clara dicção do §1º, do art. 14, da Lei 8.078/90, que estabelece: “o serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, as quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foram fornecidos”.
Aliás, a jurisprudência brasileira já há muito contempla esta previsão do Código de Defesa do Consumidor, a exemplo de arestos dos Tribunais de Justiça Estaduais.
O mesmo raciocínio aplica-se as empresas que contratam convênio médico, elas respondem pela falta ou má prestação do serviço médico, uma vez que contratam um resultado.
Responsabilidade objetiva do Estado fornecedor de serviços médicos.
A segunda hipótese esta relacionada com a responsabilidade do Estado, isso quando o médico seja um servidor do ente público e, em seu nome, desenvolve sua atividade profissional.
Nesses casos, é aplicada a teoria da responsabilidade objetiva do Estado e, sua principal conseqüência é o afastamento da perquirição da culpa, cumprindo ao paciente apenas demonstrar a conduta, o resultado e o nexo causal.
Muito embora este seja o entendimento dominante na doutrina e jurisprudências, não creio que deve o Estado em toda e qualquer hipótese responder objetivamente pelo simples fato da verificação de um dano.
Celso Antônio Bandeira de Mello, com brilhante propriedade, elenca três possibilidades em que haverá responsabilidade objetiva do Estado: quando o “próprio comportamento do Estado é que gera o dano; quando por sua omissão evento alheio causa o dano que tinha obrigação de evitar e; quando cria a situação propiciatória do risco (10).”
Pois bem, um médico ou demais profissionais da saúde que tenham vínculo com o Estado para prestação de serviço médico à população, dever do Estado, não irá atuar para gerar um dano (risco administrativo), muito embora ele possa ocorrer, por evento alheio que tinha obrigação de evitar, neste caso, responderá o Estado pela “falta do serviço”, “serviço tardio” ou “defeito do serviço”, nesta hipótese, não há que se perquirir a culpa do agente. Os exemplos são esclarecedores e inúmeros: ausência de instrumentos, equipamentos, medicamentos, carência de profissionais especializados, número reduzido de servidores, ausência de leitos, etc.
Nos exemplos acima relacionados, depreende-se que sempre é o Estado quem falha em não prover adequadamente o serviço de saúde, por outro lado, se ocorrer um dano em decorrência do ato médico em si, embora o Estado tenha se desincumbido de todos os elementos necessários à prestação adequada do serviço, não deverá responder objetivamente, uma vez que aí o dano é decorrente de uma negligência, imprudência ou imperícia do servidor, o que impõe ser demonstrado pelo paciente, uma vez que também o serviço de saúde oferecido pelo Estado por determinação Constitucional implica em uma obrigação que não pode garantir um resultado.
Aliás, este é o entendimento que se extraí das sempre oportunas lições de Bandeira de Mello, que assevera “não bastará, então, para configurar-se responsabilidade estatal, a simples relação entre ausência do serviço (omissão estatal) e o dano sofrido. Com efeito: inexistindo obrigação legal de impedir um certo evento danoso (obrigação, de resto, só cogitável quando haja possibilidade de impedi-lo mediante atuação diligente), seria um verdadeiro absurdo imputar ao Estado responsabilidade por um dano que não causou, pois isto equivaleria a extraí-la do nada; significaria pretender instaurá-la prescindindo de qualquer fundamento reacional ou jurídico. Cumpre que haja algo mais: a culpa por negligência, imprudência ou imperícia no serviço, ensejadoras do dano, ou então o dolo, a intenção de omitir-se, quando era obrigatório para o Estado atuar e fazê-lo segundo um certo padrão de eficiência capaz de obstar ao evento lesivo. Em uma palavra: é necessário que o Estado haja incorrido em ilicitude, por não ter acorrido para impedir o dano ou por haver sido insuficiente neste mister, em razão de comportamento inferior ao padrão legal exigível (11).”
Responsabilidade objetiva na cirurgia plástica de cunho estético.
Por fim, a terceira hipótese em que parte da doutrina e jurisprudência dá tratamento de responsabilidade objetiva é a cirurgia plástica de cunho embelezador, isso em decorrência da sua classificação como obrigação de resultado, ou seja, o não êxito no resultado contratado impõe o dever de reparação, pois ninguém contrata cirurgia plástica para fugir de um padrão estético de beleza, para causar uma deformidade estética ou mesmo agravar as ações naturais do tempo na pele (envelhecimento).
A primeira observação que se impõe a fazer é que, nem sempre, o cirurgião plástico poderá ser enquadrado como aderente a uma obrigação de resultado, para aqueles que adotam essa classificação dualista das obrigações, pois, não raro sua intervenção se dará não para o melhoramento estético e sim para uma reparação em decorrência de um trauma, a exemplo dos inúmeros acidentes automobilísticos, que impõe verdadeira reconstrução da fisionomia da pessoa, enxertos de pele decorrentes de graves queimaduras, dentre inúmeros outros exemplos.
O outro considerando é acerca da questão de que não é simples tal enquadramento obrigacional e, conforme já expusemos, não há previsão legal na legislação brasileira para imputar a responsabilidade objetiva a profissional liberal, ainda que advinda de uma relação contratual.
Para que o cirurgião plástico que atue meramente com fim estético embelezador responda pela não obtenção de êxito esperado na cirurgia, deverá ser demonstrada sua culpa por negligência, imprudência ou imperícia, no entanto, esta culpa não deve ser perquirida somente no ato médico em si, ou seja, na cirurgia. O cirurgião médico, assim como os médicos das demais especializações, têm um dever legal de informar ao seu paciente sobre todos os aspectos inerentes ao ato médico a ser realizado, inclusive na possibilidade de não obtenção do resultado esperado. Trata-se de obter do paciente um consentimento livre e esclarecido sobre todos os aspectos importantes.
Acaso o médico não cumpra esta obrigação previamente à sua intervenção médica, responderá pela negligência em não cumprir seu dever de informar e de colher o consentimento informado e esclarecido, responderá mesmo pela lesão a autonomia da vontade do paciente, também, ainda, pela assunção unilateral dos riscos inerentes ao ato médico realizado.
No entanto, sendo o médico diligente, esclarecendo o paciente sobre possíveis riscos, colhendo do paciente seu consentimento após devidamente informado e esclarecido e, durante o ato médico tendo empregado todos os meios necessários conforme técnica reconhecida pelas entidades médicas, por questões próprias a álea inerente a sua atividade, não se alcance o resultado pretendido, não há como se imputar a responsabilidade ao cirurgião plástico.
Aliás, Kfouri Neto sintetiza bem esta tendência que vem surgindo na doutrina, ao precisar que “dois aspectos fundamentais são levados em linhas de conta: a informação devida ao paciente e a obtenção de seu consentimento (sem se olvidar que o princípio da integridade do corpo humano é norma de ordem pública – ‘volenti no fit injuria’ – não se faz injuria a quem quer (12).”
Portanto, é por demais injusto e falta amparo legal o tratamento que tem sido dispensado à responsabilidade do cirurgião plástico, como sendo um contrato de resultado, o que impõe uma responsabilidade objetiva.
Há que se dispensar sim, uma exigência maior de informação sobre todos os riscos, mesmo quanto àqueles que excepcionalmente acontecem (12), respondendo pela ausência de cumprimento deste dever legal, que por sua vez, faz com que o médico assuma para si unilateralmente todos os riscos advindos de seu ato.
Cavalieri Filho, também, enfatiza estes aspectos da informação em cirurgia estética, “o ponto nodal, conforme já salientado, será o que foi informado ao paciente quanto ao resultado esperável. Se o paciente só foi informado dos resultados positivos que poderiam ser obtidos, sem ser advertido dos possíveis efeitos negativos (riscos inerentes), eis aí a violação do dever de informar, suficiente para respaldar a responsabilidade médica (13)”.
Conclui o doutrinador que a responsabilidade do profissional liberal será sempre subjetiva e, ainda que considerada uma obrigação de resultado, o único efeito daí gerado será a presunção da culpa, cabendo ao médico elidir esta culpa demonstrando a ocorrência de “fator imponderável capaz de afastar o seu dever de indenizar (14)”.
A prova na responsabilidade médica, efeitos da obrigação.
Afastando-se da classificação da responsabilidade médica oferecida pela clássica doutrina, primeiramente, podemos enquadrá-la como subjetiva, aliás este é o comando estabelecido no Código Civil Brasileiro e no Código de Defesa do Consumidor.
No entanto, a aproximação da responsabilidade em razão da contratação de um resultado ou não, influenciará na maior ou menor transferência da carga probatória, seja pela aplicação da teoria da carga dinâmica das provas ou da inversão do ônus da prova nos termos previstos no Código de Defesa do Consumidor.
Não resta dúvida que, indiferente de ser a responsabilidade médica subjetiva, de ser uma obrigação de meio ou de resultado, nenhum óbice há a que o julgador, presentes os requisitos legais, verossimilhança das alegações ou hipossuficiência da parte, determine a inversão do ônus da prova.
Nesse diapasão, é esclarecedora as lições de Cavalieri Filho, que aduz ser o médico “prestador de serviço pelo que, não obstante subjetiva a sua responsabilidade, está sujeito à disciplina do Código de Defesa do Consumidor. Pode conseqüentemente o juiz, em face da complexidade técnica da prova da culpa, inverter o ônus dessa prova em favor do consumidor, conforme autoriza o art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. A hipossuficiência de que ali fala o Código não é apenas econômica, mas também técnica, de sorte que, se o consumidor não tiver condições econômicas ou técnicas para produzir a prova dos fatos constitutivos de seu direito, pode o juiz inverter o ônus da prova a seu favor, como observa oportunamente o insigne Nélson Nery Jr. (15).”
Ou ainda, a teor da teoria da carga dinâmica das provas como aplicação mesmo de princípios processuais a exemplo o da boa-fé, da obrigação de colaborar com a prestação jurisdicional, da equidade, permite-se ao juiz determinar a parte demanda a produção da prova que lhe seja mais fácil ou esteja em seu domínio.
No dizer da articulista Maria Carolina Eguren, “la ampliación del radio del ‘principio de cooperación (o efectiva de colaboración) que a su vez radica en el más comprensivo y mayor fuerza operativa que es el de solidaridad. Y ambos en el de buena fe. – en el decir de Morello -, se proyecta con particular relevancia en la redistribuición del ‘onus probandi’, situación ésta que ha sido captada por la denominada Doctrina de las Cargas Probatorias Dinámicas (16)”.
Com estas medidas de cunho processual e equilibrador da relação processual, atinge-se o escopo de assegurar ao médico a garantia de não responder senão quando agir culposamente, bem como, garante ao paciente maior equidade na produção da prova.
Não é despiciendo lembrar que a prova no erro médico é por demais difícil de se produzir, mormente porque envolve conhecimentos técnicos afetos a um conhecimento científico próprio e distante do domínio comum, aí incluindo os magistrados, advogados e o próprio paciente, resultando quase sempre da necessidade de se recorrer à perícia, o que, como bem adverte Cavalieri Filho, “e nesse campo, lamentavelmente, ainda funciona o ‘esprit de corps’, a conspiração do silêncio, a solidariedade profissional, de sorte que o perito, por mais elevado que seja o seu conceito, não raro, tende a isentar o colega pelo ato incriminado (17).”
De outro lado, também de salutar importância se revela o histórico médico do paciente, o qual, no entanto, sempre sobre o domínio unilateral e exclusivo do médico, quando apresentado por ele em sua defesa, certamente sofreu adulterações, conforme adverte Rabinovich-Berkman em prestigiada obra: “recordemos que este documento de enorme trascendencia probatória es muy susceptible de ser alterado por los eventuales demandados. Ello, en razón de su carácter privado, de mantenerse reservado, y de no confeccionarse normalmente más que un solo ejemplar, que permanece en poder del nosocomio. Esas circunstancias configuran un estado de cosas desigual, en perjuicio del paciente, que la jurisprudencia debe procurar revertir (18).”
No olvide que medidas existem e que podem alterar este estado de coisas, a exemplo da cautelar de busca e apreensão de documento. No entanto, têm insistido os Tribunais em considerar inadequada esta via cautelar, sob a alegação de que outra medida, a exibição de documento, é a via apropriada para tal mister.
Estas e outras tantas razões tornam a possibilidade de êxito em ações de reparação de danos por erro médico cada vez mais dificultosas e, é por isso mesmo, que não há como não corrigir-se esta desigualdade, este desequilíbrio processual advindo da hipossuficiência do paciente em relação ao médico, através da inversão do ônus da prova.
Conclusões.
A atividade médica, como toda e qualquer atividade profissional liberal, é enquadrada pela legislação brasileira, no âmbito da responsabilidade, como sendo subjetiva, conforme previsão no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.
Esta delimitação da responsabilidade da atividade é suficiente para regular as conseqüências advindas de seu exercício, não havendo por que diferenciar ou subdividir em uma primeira análise uma determinada especialização de outra em decorrência das características dos fins colimados no ato médico.
Assim, toda e qualquer atividade médica será considerada como suscetível de responsabilidade subjetiva, tenha ela fim curativo ou estético, ademais, a estética corrige mais do que mera imperfeições plásticas, busca mesmo é restabelecer (curar) impressões psicológicas, como a alta estima tão importante para a saúde do ser humano.
Em um segundo estágio, ocorrendo o dano em decorrência da atividade médica desenvolvida, passa-se a avaliar no caso concreto o grau de exigibilidade do resultado almejado, o qual está sempre presente em todo e qualquer tratamento médico.
Nesse momento é que se exigirá de forma mais contundente e, talvez, até mesmo exaustiva, que tenha o médico informado e esclarecido seu paciente de todos os aspectos inerentes ao tratamento, desde o diagnóstico, ao prognóstico, aos efeitos colaterais, ao grau de êxito, ao grau do risco e tudo mais que seja indispensável para que o paciente tenha preservado seu direito supremo de decidir livremente pelo melhor tratamento apresentado e, inclusive, de se abster a se submeter a ele, como exercício da sua autonomia, corolário do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
Em se tratando de cirurgia plástica de cunho estético, a exigibilidade de uma informação ampla, clara, efetiva é ainda maior, não sendo permitido ao médico que assegure um resultado com grau de certeza, sem demonstrar a possibilidade de que questões outras diferentes à sua diligência, perícia e prudência possam influenciar negativamente no resultado almejado.
Por fim, seja pela inversão do ônus da prova previsto no Código de Defesa do Consumidor quando presentes seus requisitos ou, ainda, pela aplicação da teoria da carga dinâmica das provas, deverá o magistrado sempre que necessário restabelecer o equilíbrio probatório nas questões que envolvem responsabilidade médica, indiferente de ser a obrigação compreendida como de meio ou como de resultado.
Deve-se desvincular as normas processuais inerentes à produção da prova das classificações e conceitos que o direito civil estabelece no as obrigações. Os princípios, garantias e direitos processuais têm como escopo tornar o processo célere, econômico e justo, mormente em razão de seu caráter instrumental que alcançou no atual estágio de sua evolução.
Esta separação do direito processual com relação ao direito civil é necessária e traz excelentes resultados prática e, somente com esta desvinculação os magistrados compreenderão melhor as questões bioéticas que envolvem o tema médico, bem como, dos efetivos e preciosos instrumentos processuais que assegurarão um processo constitucionalmente proclamado (justo, célere e econômico), a exemplo da cautelar de busca e apreensão do histórico médico que, nenhuma ofensa causa ao médico e, por outro lado, constitui em eficaz medida de proteção de uma riquíssima e valiosa prova se bem produzida.
Resumen.
Naturaleza de la obligación de la actividad médica y sus consecuencias.
El derecho civil siempre se preocupó en conceptuar las distintas obligaciones existentes, clasificándolas conforme a sus características. La actividad medica no escapa a la regla de la necesidad de ser encuadrada dentro de la estructura jurídica del derecho civil, lo que, en consecuencia se presenta como un gran desafío en razón de la existencia de características propias que la distinguen de las demás obligaciones.
Con todo el esfuerzo doctrinario ha producido algunas soluciones, siendo la mas aceptada actualmente la que considera la actividad medica, como regla general, una obligación de medio, y, en algunas excepciones, como de resultado. Se trata de una conceptualización dualista y que trae una serie de consecuencias jurídicas y practicas, principalmente en el campo de la producción de la prueba, lo que nos invita a un análisis de todos esos aspectos.
Palabras clave: Carga de la prueba, dinamismo, inversión.
Referências bibliográficas.
1. LORENZETTI, RL. Responsabilidad civil de los médicos. Tomo I, Buenos Aires: Rubinzal – Culzoni Editores, 1997, p. 471.
2. VENOSA, SS. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 2º vol., 3 ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 77.
3. VENOSA, SS. ob. cit., p. 77 e 78.
4. CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 7 ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 360.
5. VENOSA, SS. Direito civil: responsabilidade civil. 4º vol., 3 ed., São Paulo: Atlas, 2003, 97.
6. RODRIGUES, S. Direito civil: responsabilidade civil. 4º vol., 19 ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 248.
7. LORENZETTI, RL. ob. cit., p. 483 a 486.
8. KFOURI NETO, M. Culpa médica e ônus da prova: presunções, perda de uma chance, cargas probatórias dinâmicas, inversão do ônus probatório e consentimento informado: responsabilidade civil em pediatria, responsabilidade civil em gineco-obstetrícia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 239.
9. KFOURI NETO, M. ob. cit., p. 371.
10. MELLO, CAB. Curso de direito administrativo. 15 ed., São Paulo: Malheiros: 2002, p. 869.
11. MELLO, CAB. ob. cit., p. 872.
12. KFOURI NETO, M. ob. cit., p. 248.
13. CAVALIERI FILHO, S. ob. cit., p. 369.
14. CAVALIERI FILHO, S. ob. cit., p. 370.
15. CAVALIERI FILHO, S. ob. cit., p. 366.
16. EGUREN, María Carolina. La doctrina de las cargas probatorias dinámicas como exponente del binomio “libertad-igualdad”. Doctrina.
17. CAVALIERI FILHO, S. ob. cit., p. 361.
18. RABINOVICH-BERKMAN, R. Actos y documentos biomédicos. Buenos Aires: La Ley, 2004, p. 240.
Contato
Gilson Ely Chaves de Matos − [email protected]
1 Lei 8.078/90.
2 TJRJ, 6ª C. Cív., Ap. Cív. 5.174/92, Relator Des. Laerson Mauro. Apud CAVALIERI FILHO, 2007, p. 364.
3 Apud, NETO KFOURI, 2002, p. 227.
4 “Responsabilidade civil hospitalar. Paciente com insuficiência renal grave. Hemodiálise. Contaminação por vírus da Hepatite B. Nexo de causalidade demonstrado. Responsabilidade do hospital. A contaminação ou infecção em serviços de hemodiálise caracteriza-se como falha do serviço e leva à indenização, independentemente de culpa. Aplicação, na hipótese, do art. 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor.” (TJRJ, 5ª C. Cív., Ap. Cív. 6.200/94, Rel. Des. Marcus Faver). – “Responsabilidade civil. Indenização por danos sofridos em conseqüência de infecção hospitalar. Culpa contratual. Danos moral e estético. Cumulabilidade. Possibilidade. Precedentes. Recurso desprovido.” (STJ, 4ª T., Resp 116.372-MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
5 “A cirurgia plástica de natureza meramente estética objetiva embelezamento. Em tal hipótese, o contrato médico-paciente é de resultado, não de meios. A prestação do serviço médico há que corresponder ao resultado buscado pelo paciente e assumido pelo profissional da medicina. Em sendo negativo esse resultado, ocorre presunção de culpa do profissional. Presunção só afastada se fizer ele prova inequívoca de que tenha agido observando estritamente os parâmetros científicos exigidos, decorrendo, o dano, de caso fortuito ou força maior, ou outra causa exonerativa o tenha causado, mesmo desvinculada possa ser a própria cirurgia ou posterior tratamento. Forma de indenização correta. Dano moral. Sua correta mensuração (180 salários mínimo). Ação julgada procedente, em parte, em primeiro grau de jurisdição. Provimento, em parte, do apelo da autora, no que diz com a mensuração do dano moral, e não-conhecimento, por intempestivo, do apelo do réu.” (TJRS, 6ª C. Cív, Ap. Cív. 595068842, Rel. Des. Osvaldo Stefanello, j. 10.10.1995, RJTJRGS 175/572).
6 Art. 951.
7 Art. 14, §4º.