Nulidades no Processo Civil pelo ângulo doutrinário

Gilson Ely Chaves de Matos – Advogado, mestrando em Aspectos Bioéticos e Jurídicos da Saúde pela Universidad del Museo Social Argentino e especialista em Direito Processual pela Universidade Luterana do Brasil.

Resumo

Matéria de especial relevância em direito processual civil, as nulidades estabelecem verdadeiras garantias à liberdade das partes, sem as quais o processo subjugaria a todos de forma arbitrária à sua sentença. Por outro lado, o excessivo controle formal dos atos processuais sob pena de nulidades, desvirtua a própria finalidade do processo, que é a prestação jurisdicional célere, concreta, humana e econômica. O desenvolvimento do direito processual civil pátrio é evidente, mormente pela aplicação do princípio da instrumentalidade das formas, que encontra sua mais completa aplicação em face das normas de sobredireito processual. A compreensão e aplicação efetiva destes instrumentos, através de uma interpretação teleológica, é indispensável para a afirmação de um Estado Democrático Social de Direito, que não admite arbitrariedades nem desumanidade, impondo o respeito à dignidade da pessoa humana, como indispensável em todo o atuar do Estado.

Palavras-chave: Processo civil; instrumentalidade das formas; sobredireito processual.

Nulidades no Processo Civil pelo Ângulo Doutrinário

A tão almejada Justiça pode ser verificada quando no conflito de interesses entre indivíduos, o Estado-Juiz, aplicando de forma integrada as normas preconizadas no ordenamento jurídico pátrio, não só dá a quem o que de direito, mas também proporciona um bem estar social, através da pacificação democrática e humana do litígio.
Quando se fala em aplicação integrada das normas jurídicas, quer se dizer que não somente o direito material deve ser sistemática e teleologicamente aplicado, mas também o direito processual, quando de sua aplicação mediante o exercício da ação, deve ser considerado em seu sistema como um todo.
Importante questão se apresenta aos operadores do direito quando vem a discussão sobre nulidades processuais. Primeiro deve-se levar em conta o ramo a que pertence o direito processual, considerando-se a dicotomia direito privado versus direito público, neste caso dúvida não há que insere-se ele dentre os do direito público; segundo, deve lhe ser reconhecida a sua autonomia com relação ao direito material, para considerar-lhe a aplicação dentro de um sistema próprio orientado por princípios que lhe são peculiares.
A propósito, são os princípios da liberdade das formas, da convalidação, da finalidade, do aproveitamento, do prejuízo e, da causalidade, dentre outros do processo civil, normas de sobredireito processual, é que dão contornos especiais à matéria de nulidades processuais.
Outra questão que merece detido estudo é quanto à categoria de vícios processuais e suas conseqüências no processo, bem como a relativização dos vícios processuais frente à aplicação do sobredireito processual.
O estudo do processo e suas nulidades, mais que mero debate acadêmico é de grande importância para o próprio fim do direito, pois que sua compreensão adequada dentro de um sistema próprio que se apresenta é requisito essencial para que não se tenha o processo como fim em si mesmo, mas sim como fim na Justiça célere, econômica, acessível e eficaz.
Em breve análise de algumas das principais questões afetas às nulidades processuais, esperamos ao final concluir um estudo que apesar de superficial, tenha alguma utilidade àqueles operadores do direito que, mais dedicados que nós, enaltecem as cadeiras de processo civil dos cursos de graduação e pós-graduação.
Muito mais valia terá a leitura deste trabalho para o neófito, pois podemos garantir a ele uma linguagem mais simples, uma abordagem mais rasa da matéria, um contorno menos complexo dos conceitos e princípios, o que certamente será útil ao jovem acadêmico do curso de direito, que antes de mergulhar na melhor doutrina, poderá aqui encontrar um primeiro contato com o tema, que é de grande importância para todo o ordenamento jurídico, como alhures afirmamos.

Dos vícios processuais

O direito processual, dentro da usual dicotomia entre direito privado versus direito público, insere-se como um dos ramos do direito público, pois que suas normas regulam a relação dos indivíduos com o próprio Estado-Juiz, conforme hoje é assente na doutrina. Mas, no início não tinham os operadores e estudiosos do direito a visão publicista do processo civil, o que somente foi alcançado ao longo dos anos, conforme registra Cândido Rangel Dinamarco, in verbis:
“De qualquer modo e apesar das vicissitudes e retardamentos apontados, o caráter público do processo hoje prepondera acentuadamente, favorecido pelo vento dos princípios constitucionais do Estado social intervencionista e pelo apuro técnico das instituições processuais. Chega a ser admirável até que no curto período de apenas um século de ciência tenha sido possível passar do intenso privatismo inerente ao estágio de sincretismo tradicional, ao elevado grau de publicismo que agora se vê na disciplina e na ciência do processo (1).”
Daí que, num primeiro plano, ao tratar-se das nulidades, equivocadamente, buscou-se às regras do direito civil, como ali se apresentam. Contudo, num segundo plano, verificou-se que o direito processual civil é regido por princípios próprios que formam um sistema autônomo em relação ao direito civil e em harmonia com o ordenamento jurídico, pelo que não devem ser trazidos conceitos de um outro sistema sem adequa-los para uma aplicação coerente ao processo.
Ademais, hoje é assente o caráter público do direito processual civil. Esta consolidação como ramo do direito público, deu-se pela constitucionalização do processo, pela aplicação do processo também ao direito administrativo, tributário, eleitoral, dentre outros, os quais, é sabido pertencerem ao ramo do direito público, pelo que não mais há que se sustentar que o direito processual civil serve ao direito civil, o que inicialmente o atraía para o ramo do direito privado.
A marca desta constante constitucionalização do processo pode ser verificada na evolução do processo constitucional, conforme se infere do disposto no art. 482, §3º, do Código de Processo Civil, que adotou em nosso direito o instituto do amicus curiae, nova modalidade de intervenção de terceiros.
Ultrapassada a discussão acerca da natureza do direito processual civil, firmando como ramo do direito público, a doutrina não tardou em classificar os vícios dos atos processuais segundo suas próprias peculiaridades, havendo, contudo, certa divergência até hoje na classificação; Pontes de Miranda, José Frederico Marques, Humberto Theodoro Júnior, Arruda Alvim e Tereza Arruda Alvim Pinto, dentre outros, entendem que são espécies de vícios os atos nulos e anuláveis, prevendo ainda os inexistentes que não chegam a constituir-se em ato processual; já Galeno Lacerda seguido por muitos, classifica os vícios dos atos processuais em: nulidades absolutas, nulidades relativas e anulabilidades. Não vamos adentrar nesta discussão, não que a adoção de uma ou outra classificação não tenha resultado prático para o processo civil, mas porque não temos o propósito de neste estudo chegar a conclusões que exigem maior dedicação aos estudiosos do direito processual. Por ora, apenas para uma apresentação didática e desenvolvimento do trabalho, adotaremos a primeira classificação.
A seu turno, cumpre ressaltar que o legislador pátrio, de forma acertada, não adotou o sistema formalista, em que a nulidade é imposta sempre que se verifica a desobediência a uma forma processual, por outro lado, também não acolheu o outro extremo, que é o sistema do exclusivo arbítrio do Juiz, ou seja, o da liberdade das formas processuais conforme o critério do juízo.
Então qual o sistema adotado por nosso legislador? Ora, sem excessos de formalismo que foge ao fim do processo e, também, de pleno arbítrio do juiz que atenta contra a própria liberdade, optou-se em nosso ordenamento jurídico pátrio pela adoção de um sistema moderado, informado pelo princípio da determinação racional do nulo, conforme preleciona Pontes de Miranda.
Deste modo, não desprestigiando as formas, que são necessárias, pois que “sua ausência pode gerar desordem e incerteza, e sua presença é instituída como garantia de Justiça, ou, pelo menos como garantia contra a arbitrariedade e ponto de partida para uma certa margem de previsibilidade (2), concedeu certa liberdade para o pronunciamento dos juizes acerca das nulidades, sendo que “a redução do princípio dispositivo e o aumento dos poderes do Juiz é uma das características do Processo Civil moderno e significa uma avanço em relação à possibilidade de que se chegue à sua finalidade (3).”
Oportuno é o magistério de José Frederico Marques, in verbis:
“Afastou-se o legislador de 1939, dessa maneira, do sistema formalista, em que as violações da forma processual sempre importam em nulidade (quid fit contra legem nullum est). também não seguiu ao sistema oposto, do arbítrio exclusivo do juiz, que implicaria a adoção do princípio da liberdade das formas processuais. O sistema de que não há nulidade sem prévia cominação legal também não foi o abraçado. (…)
De um modo geral, pode dizer-se que o Código de Processo Civil de 1939 procurou seguir a lição de João Monteiro: ‘Mantenha o direito à vida das nulidades, porque estas são as garantias das fórmulas, sem as quais naufragará frequentemente o direito de um dos litigantes. O que urge é firmar as verdadeiras regras para que, sob a bandeira das nulidades, não passem os demandistas o contrabando da chicana; o que se quer é que o bom direito jamais seja sacrificado e que não passe de triste reminiscência das justiças do passado a cáustica tirada de Alceste no 5º ato do Misantbrope de Molière’ (4).”
O código de processo vigente manteve o sistema intermediário adotado pelo legislador de 1939, não desprestigiando as formas previstas, mas não as impondo como fim a si mesmas, para que o excesso de formalismo não inviabilize o próprio processo.

Nulidades absolutas
As nulidades absolutas decorrem de vício essencial, quando a norma violada for de natureza imperativa, cogente, e que tutele interesse predominantemente público, sendo, portanto, vício insanável.
Tanto as partes, a qualquer momento, podem invocar a nulidade absoluta, como o próprio juiz de ofício pode declará-la a qualquer momento.
Tem o ato absolutamente nulo uma vida exterior, o que o difere do ato inexistente, mas esta vida é aparente e artificial, vez que não é apto a produzir os efeitos que lhe seriam atribuídos.
O ato processual eivado de nulidade absoluta não pode ser jamais convalidado.
Numa classificação tendo como base à forma e o fundo dos atos processuais, poderia se identificar os atos absolutamente nulos como sendo aqueles contaminados de vícios nas questões de fundo dos atos processuais, ou seja, pressupostos processuais (positivos de validade e negativos), condições da ação e circunstâncias assimiláveis (condições específicas de procedibilidade de determinadas ações), bem como as questões de forma quando a lei prever como sanção a nulidade absoluta.

Nulidades relativas
Já as nulidades relativas ou anulabilidades, dentro da classificação que nos propomos a adotar apenas para fins didáticos, apesar de tratar-se de infração a norma cogente, é posta no ordenamento processual civil não no interesse público, mas sim no interesse do particular.
Portanto, compete às partes argüi-las oportunamente, sob pena de preclusão e convalidação dos atos. Não pode o juiz conhecê-las de ofício.
Nesse diapasão, preleciona Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, verbis:
“Quando é exclusivamente da parte o interesse visado pela determinação legal da forma, então se trata de nulidade relativa, que o juiz não decretará de-ofício e, portanto, só pode ser decretada mediante provocação da parte prejudicada; a parte tem, ademais, o ônus de fazer a alegação na primeira oportunidade que falar nos autos, sob pena de ficar convalescido o ato imperfeito (CPC, art. 245, caput) (5).”

Inexistência jurídica do ato processual
Por sua vez, ocorrerá a inexistência do ato quando faltar-lhe requisitos essenciais, de modo que o ordenamento jurídico despreza até mesmo sua existência no processo.
São também conhecidos como não-atos, pois não possuem nem mesmo aparência exterior. Aqui nem mesmo identifica-se a existência de algum vício, pois que o ato nem mesmo existe para lhe ser verificado a ocorrência do mesmo.
Muitos exemplos podem ser apresentados de atos inexistentes, o clássico é o exemplo da sentença proferida por quem não é juiz, nenhuma dúvida resta de que sentença não é, pois somente ao juiz cabe a função jurisdicional.
O Código de Processo Civil enumera ainda, expressamente, como ato inexistente, aquele praticado nos autos por quem não seja procurador da parte, nos termos do artigo 37, parágrafo único.

Princípios do direito processual afetos às nulidades
Dentro do sistema de nulidades adotado pelo Código de Processo Civil, onde permite-se certa liberdade de apreciação pelo juiz sem desprestigiar totalmente a formalidade, grande papel exercem os princípios que informam os limites entre a convalidação dos atos e nulidade dos mesmos.
Vejamos um pouco destes princípios de grande importância para a aplicação do direito processual.

Liberdade das formas ou informalidade
É verdade que o processo é um conjunto de formas e, por vezes, o afastamento destas formas poderá conduzir às nulidades, uma vez que as formas traduzem-se em garantias à defesa dos interesses das partes.
Contudo, conforme já registramos, o sistema misto adotado no Código de Processo Civil, afastou a aplicação do princípio da legalidade das formas em nosso ordenamento jurídico processual.
Isso não quer dizer que não hajam formas previstas para a prática dos atos processuais, pelo contrário, existem algumas formas previstas para a prática de atos, mas somente quando expressamente trazidas pela lei, é que poderá impor-se a sanção das nulidades, desde que o ato realizado não atinja seu fim.

Finalidade
Ainda, mesmo quando a lei prestigie determinada forma para a validade do ato processual, este não será anulado quando atinja seu fim (artigo 244, do Código de Processo Civil), pois as formas do processo são meios necessários ao alcance de determinados fins e, conforme preciosa lição, “não se deve fazer da forma um objetivo em si mesmo, de maneira que, em lugar de facilitar a consecução da Justiça, dificultem o acesso até ela (6).”
É em atenção aos escopos do processo e sua efetividade que impõe-se avançar na marcha processual quando atingida a finalidade, tenha sido desprezada a formalidade.

Aproveitamento ou conservação
Do princípio da finalidade e em razão da economia processual, desdobra-se o princípio do aproveitamento.
Quando verificado algum vício em determinado ato processual, seja ele insanável ou não, deve aproveitar-se à parte do ato não maculada, desde que possível desmembrá-lo.
Em excelente artigo feito a seis mãos, extraímos a seguinte lição:
“É este princípio que informa as hipóteses de invalidade parcial dos atos processuais. Por ele, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras, que dela sejam independentes; o erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados (arts. 248 e 250) (7).”

Prejuízo ou não-prejuízo
Sem prejuízo à parte não há que se declarar à nulidade do ato processual, pois que desnecessário do ponto de vista prático.
Com isso, afasta-se a nulidade numa concepção rígida, não a aplicando na ausência ou falta de comprovação de prejuízo da parte, não lhe tolhendo a liberdade de atuação.
Constata-se que tanto no princípio do prejuízo, quanto no da finalidade e aproveitamento, prevalece o interesse público em conservar o processo, desde que o vício da forma não prejudique o interesse protegido.

Convalidação
Este princípio preserva o ato praticado com vício sujeito à nulidade relativa, quando a parte interessada não alegar na primeira oportunidade que lhe couber falar nos autos.
O silêncio ou desatenção da parte incorrerá na preclusão da matéria, convalidando-se assim o ato processual, tendo como sanado o vício.
As nulidades absolutas não se sujeitam a convalidação, uma vez que o juiz pode conhecer de ofício, bem como da sua qualidade de insanável.
Quando convalidável o ato processual pela inércia da parte interessada, em se tratando de nulidade relativa, verifica-se também que se atendeu aos princípios informativos da economia e celeridade processuais.

Causalidade ou concatenação e interdependência dos atos processuais
Existindo os atos processuais uns em função dos outros, dependendo uns dos outros, ocorrendo a nulidade de um ato processual seu seguimento posterior também será atingido.
Assim, anulado um ato processual, os atos subsequentes que dele dependam diretamente, não terão efeitos.
Como claro exemplo do princípio da causalidade, tem-se a sentença oriunda de processo que tenha havido nulidade, aquela será nula por ser conseqüência causal de ato nulo praticado no processo.

Demais princípios processuais
Outros princípios que informam o processo civil também são de grande importância e aplicação no campo das nulidades, dentre eles:
– Economia processual, evitando-se um custo que não raras vezes impõe-se em óbice lógico à defesa do interesse;
– Contraditório, garantindo-se a paridade de armas entre as partes, deve o juiz tratá-las com isonomia, oportunizando a manifestação de uma sempre que a outra manifestar-se no processo;
– Proteção, veda a parte beneficiar-se da sua própria torpeza, assim não pode a própria parte que praticou o ato viciado argüi-lo;
Celeridade, quanto mais rápido for o processo, melhor para as partes que litigam.
Com isso não exaurimos os princípios que se identificam explicita ou implicitamente no ordenamento processual pátrio, mas enumeramos e identificamos os mais importantes para o campo das nulidades processuais.

Instrumentalidade das formas
Restando concluído que o sistema processual pátrio adotado é o misto, onde não permite uma liberdade sem controle das formas, o que atentaria contra a segurança do próprio processo, mas também não impõe um formalismo exacerbado, inflexível e hipertrofiado que subjugue a plano inferior o conteúdo e próprio fim do ato a ser praticado, tem-se que dentre os princípios e preceitos do processo civil, apresenta-se de grande importância o princípio da instrumentalidade das formas.
Este princípio pode traduzir-se do binômio finalidade – não-prejuízo, ou seja, a verificação do fim que lhe é próprio, atingido pelo ato processual, deve prevalecer sobre a forma imposta pela norma processual.
Vejamos a lição de Marques, in verbis:
“Complementando o princípio da legalidade das formas, surge, assim, o denominado princípio da instrumentalidade das formas: na apreciação do ato processual, a verificação de ter o ato atingido sua finalidade prevalece sobre a simples inobservância das regras formais. O aspecto formal cede passo, portanto, ao sentido teleológico do ato, o modus faciendi à causa finalis, a configuração procedimental ao objetivo processual (8).”

Valiosa também é a lição de Cintra, Grinover e Dinamarco, ao conceituarem o princípio da instrumentalidade das formas, verbis:
“O princípio da instrumentalidade das formas, de que já se falou, quer que só sejam anulados os atos imperfeitos se o objetivo não tiver sido atingido (o que interessa, afinal, é o objetivo do ato, não o ato em si mesmo). Várias são as suas manifestações na lei processual, e pode-se dizer que esse princípio coincide com a regra contida no brocardo pas de nullité sans grief (9).”
Por fim, mais uma vez nos valemos do artigo de Oliveira, Oliveira e Mariotti Neto, in verbis:
“princípio da instrumentalidade das formas (art. 154 e 244)  Preceitua que os atos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente o exigir. Consideram-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial e, ainda que, a lei prescreva determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz poderá considerá-lo válido se, mesmo que tenha sido realizado de outro modo, tenha alcançado sua finalidade (10).”
Assim, tendo o ato alcançado sua finalidade, mesmo que desprestigiada a forma legal, não será considerado nulo ou sem efeito, em face do princípio da instrumentalidade das formas.
A propósito, o Superior Tribunal de Justiça, já reconheceu a incidência do princípio da instrumentalidade das formas até mesmo no processo administrativo, senão vejamos:
Princípio da instrumentalidade das formas no procedimento administrativo. O concurso público, como procedimento administrativo, deve observar o princípio da instrumentalidade das formas (CPC 244). Em sede de concurso público não se deve perder de vista as finalidades para a qual se dirige o procedimento. Na avaliação da nulidade do ato administrativo é necessário temperar a rigidez do princípio da legalidade, para que ele se coloque em harmonia com os princípios da estabilidade das relações jurídicas, da boa-fé e outros valores essenciais à perpetuação do Estado de Direito. Limite de idade, em concurso público é requisito para o exercício do emprego. Assim, se o candidato que não satisfazia o requisito no momento da inscrição foi admitido ao concurso e aprovado, não é lícito à administração recusar-lhe investidura, se no momento da contratação a idade mínima já se completara (11).”
Como se depreende de seu conceito, é o princípio da instrumentalidade das formas importante instrumento para a consecução da economia e celeridade processual, além de garantir um processo concreto e humano.

Normas de sobredireito processual
De todo o conjunto de princípios do direito processual civil e de outros preceitos jurídicos aplicáveis a esse ramo do direito público, formam-se as normas de sobredireito processual e, estas se “sobrepõem às demais, por interesse público eminente, condicionando-lhes, sempre que possível, a imperatividade (11)”.
Por sua vez, as normas de sobredireito processual permitem uma efetiva relativização das nulidades processuais, incluindo-se assim a aplicação efetiva do princípio da instrumentalidade das formas, a permitir inclusive sua aplicação aos vícios dos atos que culminem em nulidades absolutas.
O Magistrado Costalunga fornece um conceito claro: “O sobredireito processual, como concebido pelo seu intuidor, é a aplicação de regras e princípios maiores que podem revogar ou suprimir a incidência de regras menores (12).”
Desta forma, em razão de uma estrutura teleológica superior, não se deve ter como absoluta a regra de que nas nulidades absolutas o prejuízo se presume, enquanto nas nulidades relativas deve o prejuízo ser demonstrado pela parte.
Se assim se pensasse, a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas restaria sempre afastado quando se verificasse a ocorrência de um vício que enseje nulidade absoluta, o que não deve ser admitido, em face do interesse maior do processo que é atingir uma “Justiça Humana e Concreta”.
Vejamos um exemplo claro de nulidade absoluta em que esta deve ser afastada em face do sobredireito processual, trazida à baila pelo já citado magistrado Costalunga, in verbis:
“Suponhamos que, em uma ação de nulidade de casamento, digamos com fundamento no art. 183, VI (são impedidas de contrair o matrimônio as pessoas casadas), do Código Civil , o demandante, para essa ação legitimado, ao propor a demanda, não propugne pela intimação do Ministério Público para que acompanhe o feito. Segundo dispõem os arts. 84 e 246 do CPC, seria nulo o processo, ante infração à norma cogente, que tutela interesse predominantemente público. Dizemos predominantemente público, haja vista que as partes igualmente têm interesse no justo desate da controvérsia. Vício dessa ordem, na qual existe cominação expressa de nulidade, por ser insanável, acarretaria a imediata nulidade do feito, podendo ser ventilada por qualquer das partes, presentante legal do MP ou pelo próprio juiz.
No entanto, hipoteticamente, nem a parte demandada nem o juiz verificaram essa omissão, e, por via de conseqüência, levaram a termo o processo que visava à declaração da nulidade do casamento. No julgado, conjeturamos a improcedência da demanda proposta, uma vez que o cônjuge demandado, ao contrário do que sustentava o sujeito ativo da ação, não era casado e, sim, divorciado, consoante logrou demonstrar com a produção de cópia da sentença de divórcio trânsita em julgado. Qual haverá de ser, nesse caso, a providência a ser tomada, verificada, ou até mesmo suscitada a nulidade ocorrente pela falta de intervenção do órgão ministerial?
Primeiramente, por óbvio, ao juiz não é dada a oportunidade para suscitá-la, uma vez que lhe falta jurisdição, ante a lavratura da carta sentencial. De plano, igualmente, afastamos o direito do demandante de suscitar referido vício, uma vez que foi ele próprio quem deu causa à nulidade, embora presente o seu prejuízo com a improcedência da ação e certa a indisponibilidade do direito em concreto. Logo, tão-somente ao órgão do MP e à parte demandada é que se faculta a argüição de eventual nulidade.
Feita essa breve ressalva, cumpre agora perquirirmos sobre a pertinência ou não de declararmos a nulidade do feito e, com isso, procedermos na renovação de todo o processado, que fatalmente seria julgado da mesma forma, ou seja, no sentido de declarar a improcedência da ação, ante a prova cabal do divórcio.
Pode parecer que, à primeira vista, a nulidade cominada tenha, inevitavelmente, o caráter obrigatório de determinar a insanabilidade do processado, com a conseqüente retificação e repetição dos atos processuais viciados. Os mais afoitos, sob o pálio de uma interpretação meramente literal e gramatical do dispositivo legal e isolada do resto do sistema, a toda evidência, declarariam a nulidade absoluta do feito. Mas assim não poderia decorrer, uma vez interpretada adequadamente a disposição que comina a nulidade absoluta, em conjugação e harmonia com o disposto legal dos parágrafos 1º e 2º do art. 249 e 244, ambos do CPC, que, respectivamente, fundamentam os princípios do (não) prejuízo e do aproveitamento e da finalidade, informadores do princípio da instrumentalidade das formas.
Embora o exemplo referido trate de vício absoluto, em que há cominação expressa de nulidade, tudo nos conduz a acreditar que a sua relativização, diante do caso concreto, poderá tomar contornos de efetividade. Tudo dependerá do caso em particular, que estará a merecer a tríplice adequação das normas processuais ao direito material, daí o porquê da necessidade imperiosa de aproximação e apaixonamento do juiz à causa.
A se possibilitar a declaração da nulidade no exemplo acima, por conseqüência tendo de ser renovado todo o processo, estar-se-á atentando contra o princípio da economia processual, para falarmos do menos. A exigência na renovação do processo, em homenagem tão-somente à sacralidade da forma, ou seja, o processo por si mesmo, como decorreria obviamente, não se admite em hipótese alguma (13).”
Ainda, podemos ter como exemplo a ausência de intervenção do Ministério Público em ação de indenização movida por menor que ao final da ação se vê vitorioso, a manifestação em segundo grau pelo Procurador de Justiça, na hipótese de apelação pela parte vencia, dá por sanado a ausência do Ministério Público no processo, pois poderá o Procurador de Justiça aferir se a não intervenção do Ministério Público no processo trouxe algum prejuízo ao interesse justificante da intervenção obrigatória.
A aplicação da relativização das nulidades deve ser tomada de caso a caso, não havendo como determinar quando será ou não útil aos interesses maiores subjugadores dos interesses de menor importância.
Deve sempre ter em mente de que a forma é necessária à própria garantia das liberdades, mas não tem fim em si mesma e, por isso mesmo, deve ser afastada quando sua exigência sirva apenas para conservar-lhe a imperatividade e prestígio.
O reconhecimento de normas de sobredireito processual dentro do sistema jurídico é de salutar importância, mormente em respeito à dignidade da pessoa humana, que exige um processo humano e célere, capaz de restabelecer a paz social.

Conclusão

De tudo o que se disse, podemos extrair as seguintes conclusões:
1º – O desenvolvimento pela doutrina e a aplicação coerente das normas processuais civis dentro de um sistema próprio, orientado por princípios que devem coexistir em harmônio, é exigência de todo Estado Democrático e Social de Direito.
2º – O princípio da instrumentalidade das formas, em plena aplicação no ordenamento jurídico processual pátrio, fornece equilíbrio indispensável entre a forma (garantia das liberdades) e o real fim do processo (dar a quem o de direito, através da prestação jurisdicional).
3º – A identificação de normas de sobredireito processual dentro do sistema jurídico próprio e, sua aplicação efetiva mediante um exercício teleológico a ser exercido caso a caso, é indispensável para que o princípio da instrumentalidade das formas não seja preterido em face da natureza de um ou outro vício, garantindo assim a própria eficiência, humanidade, celeridade, concretude e economia do processo.
4º – O estudo das nulidades do processo e a busca incessante em aperfeiçoar as teorias, longe de apenas servir de discussões acadêmicas, traz efetivos benefícios para a indispensável segurança jurídica.

Abstract

Nullity on the civil lawsuit on the doctrines angle
Subject of special relevance in civil lawsuit, the nullity establish true warranties of freedom to both parties, without it, the process would subjugate all in an arbitrary way to your sentence. In the other hand, the excessive formal control of processing acts on the nullity penalty, will defame its own termination of the process, which is the swift jurisdictial installment, concrete, human and economic. The development of the civil patriot lawsuit is evident, mostly because of the application to the principle of the instrumentality of the ways, which meets its complete application on the rules of own-right lawsuit. The effective comprehension and application of these instruments, through a theological interpretation, is indispensable to the statement of a Democratic State of Social Law, that does not admit arbitraries nor atrocity, demanding respect of the human dignity, as it is indispensable in every states act.
Key words: Civil lawsuits; instrumentality of the ways; own-right lawsuit.

Referências

1. DINAMARCO, CR. A instrumentalidade do processo. 5 ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 53.
2. ALVIM, A; PINTO, TAA. Repertório de jurisprudência e doutrina sobre nulidades processuais.  2 s., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 19.
3. ALVIM, A. ob. cit., p. 17.
4. MARQUES, JF. Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium, 1999, p. 370 e 371.
5. CINTRA, ACA; GRINOVER, AP; DINAMARCO, CR. Teoria geral do processo. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 349.
6. ALVIM, A. ob. cit., p. 20.
7. OLIVEIRA, CM; OLIVEIRA, CM; MARIOTTI NETO, J. Das nulidades dos atos processuais e seus efeitos. Disponível em http://www.jusnavegandi.com.br, consulta em 16.9.2003, 18 p.
8. MARQUES, JF. ob. cit., p. 297 e 298.
9. CINTRA, ACA; ob. cit., p. 347.
10. OLIVEIRA, CM; ob. cit.
11. Galeno Lacerda, O código e o formalismo processual, in Revista da AJURIS, vol. 28, p. 11, apud COSTALUNGA, DAM. A teoria das nulidades e o sobredireito processual. Disponível no site http://www.jusnavegandi.com.br, consulta em 16.9.2003, 20 p.
12. COSTALUNGA, DAM. ob. cit.
13. COSTALUNGA, DAM. ob. cit.

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Gilson Ely Chaves de Matos − [email protected]

1 §3º, do art. 482, do CPC, acrescentado pela Lei 9.868/199. O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Moreira Mendes, registra a importância para a Democracia a adoção do instituto, verbis: “Da mesma forma, afigura-se digna de realce a proposta formulada com o sentido de permitir que o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, admita a manifestação de outros órgãos ou entidades (arts. 7o, § 2o, e 18, § 2o). Positiva-se, assim, a figura do amicus curiae no processo de controle de constitucionalidade, ensejando a possibilidade de o Tribunal decidir as causas com pleno conhecimento de todas as suas implicações ou repercussões.” (Mendes: 20003. Disponível em http://www1.jus.com.br/doutrina.)

Ato praticado pela parte. “Não deve ser declarada nulidade quando a parte a quem possa favorecer para ela contribuiu e se absteve de qualquer impugnação no curso da demanda, relativamente ao devido processo legal” (RSTJ 12/366). No mesmo sentido: JTJ 165/206. Apud Nery Júnior: 1997, p. 521.

3 STJ, 1ª T., Resp 6518-RJ, rel. Min. Gomes de Barros, j. 19.8.1991, DJU, 16.9.1991, p. 12621. Apud Nery Júnior: 1997, p. 521.

Não intervenção do MP no primeiro grau. Intervenção supletiva da Procuradoria de Justiça. A não intervenção do Ministério Público em primeiro grau de jurisdição pode ser suprida pela intervenção da Procuradoria de Justiça perante o colegiado de segundo grau, em parecer cuidando do mérito da causa sem argüir prejuízo nem alegar nulidade (STJ, 4ª T., Resp 2903, rel. Min. Athos Carneiro, citado pelo Min. Sálvio de Figueiredo, no Resp 5469, j. 20.10.1992, v.u., BolAASP 1785/100). No mesmo sentido: VI ENTA 42; RT 630/176, 582/212, 579/119; RJTJSP 118/213. VI ENTA 42: “A intervenção da procuradoria de Justiça em segundo grau evita a anulação de processo no qual o Ministério Público não tenha sido intimado em primeiro grau, desde que não demonstrado o prejuízo ao interesse do tutelado.” Apud Nery Júnior: 1997, p. 522.

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