Medidas autosatisfativa. Aspectos Jurídicos e sua aplicação na defesa da vida e da saúde

Gilson Ely Chaves de Matos – Advogado, mestrando em Aspectos Bioéticos e Jurídicos da Saúde pela Universidad del Museo Social Argentino e especialista em Direito Processual pela Universidade Luterana do Brasil.

RESUMO

O Direito Processual conquistou sua autonomia frente ao Direito Material, rompendo um sincretismo que o alijava enquanto ciência jurídica própria. Desta conquista, houve crescente evolução do Direito Processual e hoje o entendimento contemporâneo reconhece seu caráter instrumental na consecução do provimento jurisdicional, tendo como colorários a eficiência e celeridade, ou seja, não tem o Direito Processual como escopo a auto-afirmação em si mesmo como ciência-jurídica autônoma, mas sim a sua parcela de contribuição para o Estado de Direito na distribuição da almejada Justiça. Destes princípios surgidos no Direito Processual os Ordenamentos Jurídicos também evoluíram, buscando alternativas para atingir o fim almejado, como a construção doutrinária e jurisprudência das medidas autosatisfativas no Direito Argentino. No Brasil as cautelares satisfativas ou não e a antecipação de tutela são institutos capazes de atender aos novos contornos do Direito Processual contemporâneo. Neste diapasão, bens inalienáveis como a vida e a saúde física e psíquica devem receber proteção a partir da aplicação dos novos instrumentos processuais surgidos.
Palavras-chave: Medidas autosatisfativas; Direito Processual Moderno; Proteção à vida e a Saúde.

Medidas Autosatisfativas. Aspectos jurídicos e sua aplicação na defesa da vida e da saúde.

A luta dos processualistas para o reconhecimento do Direito Processual como ciência jurídica autônoma perdurou por anos até que conseguissem romper o sincretismo com o direito civil. Foi no século XIX, após as grandes transformações ocorridas em decorrência do iluminismo na estrutura dos Estados e sua relação com os indivíduos que deu-se início à doutrina que cominaria na autonomia do Direito Processual, resultando a consolidação de institutos do Direito Processual que asseguram o fim colimado que é a prestação jurisdicional pelo Estado.
Rompidos os obstáculos para o reconhecimento de sua autonomia e consolidados os institutos e princípios comuns, passou-se a um terceiro e importantíssimo momento da evolução do Direito Processual, qual seja, o da instrumentalidade, onde o processualista, atento aos anseios sociais e as responsabilidades publicas, buscaram a adequação do direito processual como instrumento do alcance prático, célere justo e eficaz do provimento perseguido junto ao Estado.
O surgimento em todo o mundo de normas processuais especificas para atender os interesses da defesa do consumidor, da criança, do idoso, da proteção ao patrimônio público e cultural, da defesa do meio-ambiente, enfim, a instrumentalização da defesa de uma variedade de direitos surgido com as novas “gerações constitucionais”, é testemunha desta evolução do Direito Processual, na busca de acompanhar as transformações dinâmicas da sociedade.
Neste ínterim surgem princípios como o da eficiência do processo, daí a se justificar medidas urgentes a fim de assegurar a prestação jurisdicional que é o fim do exercício da Jurisdição Estatal.
Em razão do crescimento de conflitos sociais, do alargamento das diferenças econômicas, e de uma série de fatores que distanciam os indivíduos entre si, necessitou o processo instrumentalizar o Juiz com medidas tais que, ao seu final, a sentença alcance seu fim, daí, o surgimento das medidas cautelares nominadas, das medidas cautelares inominadas, da liminar, da antecipação da tutela em alguns países e, das medidas autosatisfativas como ocorre no direito processual Argentino.
Também, ao lado do direito processual, e em razão das evoluções sociais, mormente ante o desenvolvimento do Direito Constitucional, declaram-se direitos que passam a integrar o rol pessoal dos indivíduos e da coletiva que o exigem frente ao Estado, a exemplo do direito à saúde.
Neste trabalho vamos estudar a aplicação das medidas autosatisfativas na saúde pública, tendo como parâmetro o desenvolvimento doutrinário-jurisprudencial na Argentina, comparando com institutos similares no Brasil, de forma a demonstrar a instrumentalização do processo contemporâneo, sem perder de vista as conquistas do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, tão caros a nós em decorrência da luta travada nos regimes totalitários de outrora.

Medidas autosatisfativas.

O Direito Processual Argentino vem sofrendo constante construção doutrinária e jurisprudência em busca de uma efetividade do processo e em decorrência do reconhecimento da autonomia do Direito Processual.
Rompido o sincretismo com o Direito Material, o Magistrado passou a perquirir a importância do desenvolvimento processual adequado à instrumentalização da prestação jurisdicional eficiente, célere e adequado, reconhecendo por vezes a possibilidade de uma construção processual adequada à necessidade, ainda que não prevista nas legislações processuais integrantes do Ordenamento Jurídico.
Neste âmbito da evolução da construção do Direito Processual que surgem a medida cautelar autônoma, a cautela satisfativa e a medida autosatisfativa no Direito Argentino, a cautelar satisfativa e a antecipação de tutela no Direito Brasileiro, dentre outras importantes construções processuais com vista a uma maior efetividade do processo.
Importa-nos neste trabalho a análise da medida autosatisfativa e sua aplicabilidade na saúde pública, pelo que passaremos a analisar seus requisitos e âmbito de aplicação.

Conceito.

Inicialmente temos que as medidas autosatisfativas do Direito Argentino não possuem um conceito legal, senão aquele fruto de sua própria construção doutrinária e jurisprudencial, ante la ausencia de previsión legal y encuadre procesal (1), o que não é obstáculo para sua análise conceitual.
Uma primeira característica que embora comum às cautelares também é marcante na medida autosatisativa é seu caráter de urgência, assinalando que si bien todo lo cautelar es urgente no todo lo urgente es cautelar (2), contudo, diferencia-se o conceito desta medida em diversos aspectos das cautelares, conforme apontado pelos doutrinadores de especial destaque, senão vejamos:
“Son soluciones jurisdiccionales urgentes, autônomas, despachables ‘inaudita et altera pars’ y mediando una fuerte probabilidad de que los planteos formulados sean atendibles. Las mismas importan uma satisfacción definitiva de los requerimientos de los postulantes, motivo por el cual se sostiene que son autónomas, no dependiendo su vigencia y mantenimiento de la interposición coetánea o ulterior de uma pretención principal (3).
“Se está ante un requerimiento ‘urgente’, formulado al órgano jurisdiccional por los justiciables, que se agota – de ahí lo de autosatisfactiva – com su despacho favorable, no siendo, entonces, necesaria la iniciación de una ulterior acción principal para evitar su caducidad o decaimiento (4).
“Las medidas autosatisfactivas, por su parte, son aquellas medidas autónomas, (no necesitan servirse de una acción principal) que dan solución a cuestiones urgentes, agotándose en si mismas una vez satisfecha la solicitud… (5).
A vista do conceito trazido à baila pelos citados doutrinadores Argentinos, temos que o conceito da medida autosatisfativa esta exatamente em seu esgotamento no despacho ou decisão concessiva do pedido em análise liminar, tornando-se então desnecessária a propositura de uma ação principal, ante o exaurimento da prestação jurisdicional.

Características.
Ante a formação de um conceito comum pela doutrina acerca das medidas autosatisfativas, tornou-se possível a visualização de carcaterísticas próprias da medida autosatisfativa no Direito Argentino, que também se traduzem em verdadeiros requisitos.
A primeira das características a qual é comum às cautelares, é o seu caráter de urgência, o que reclama uma decisão com a maior brevidade possível, permitindo-se inclusive que o seja inaudita parte. A urgência tem-se como colorário do perigo da demora, pois se não atendida a bom tempo a medida jurisdicional pleiteada, se verificará o esvaziamento ou mesmo perda definitiva do direito invocado pelo jurisdicionado.
A segunda característica marcante que enumerados e de destacada importância em referência às demais é presença de uma forte probabilidade do direito invocado que exige muito mais do que a verossimilhança exigida nas cautelares. Esta força deve estar demonstrada de forma suficiente e exaustiva no pedido, devidamente amparado com as provas necessárias, pois, é da sua própria característica a ausência ou sumaríssima dilação probatória. Desta forma, caso não demonstra o Requerente a forte probabilidade do direito invocado consubstanciado em prova robusta e irrefutável, é por demais temerária a concessão de medida com a força como que é empregada.
Uma terceira característica é sua autonomia que lhe realça a modernidade contemporânea em vista da teoria da instrumentalidade do processo, com escopo de efetividade e celeridade. Em razão deste contorno, fica afastado seu conceito do que entendemos por medida cautelar, ante o caráter instrumental (secundário, assecuratório) desta em relação a um necessário processo principal.
A quarta característica da medida autosatisfativa é a definitividade do provimento jurisdicional que se exaure com a entrega ao jurisdicionado. Na verdade é marcante nos casos aplicados que uma vez concedida a medida buscada a mesma se torna irreversível, o que é impossível vislumbrar em sede de cautelares.
Por fim, outra característica é a inexigibilidade de contra-cautela, onde a forte probabilidade do direito invocado torna desnecessário a exigibilidade de que o Requerente assegure o Juízo antes de ser-lhe concedida a medida pleiteada. Contudo, essa característica não é absoluta e entende tanto Mabel de Los Santos quanto Jorge A. Rojas que poderá o caso concreto exigir a contra-cautela, o que deve ser aferido pelo Juízo.

Base jurídica.
Embora a medida autosatisfativa seja fruto da construção jurisprudencial e doutrinária ante a ausência de normatividade especifica, certo é que sua aplicação deve encontrar amparo nos princípios processuais de ordem constitucional e nas normas de caráter geral presentes no Ordenamento Jurídico Argentino.
Esta foi a conclusão a que chegaram os estudiosos do direito durante as VII Jornadas Bonaerenses de Direito Civil, Comercial e Processual, ocorrida em setembro de 1996 em Junín, Província de Buenos Aires, e do XIX Congreso Nacional de Derecho Procesal ocorrido em agosto de 1997, na cidade de Corrientes ao apontar como fundamento legal para a concessão de medidas autosatisfativas o poder geral de cautela estabelecido no art. 232, do Código Procesal Civil de La Nación, que prescreve:
“ARTICULO 232. – Fuera de los casos previstos en los artículos precedentes, quien tuviere fundado motivo para temer que durante el tiempo anterior al reconocimiento judicial de su derecho, éste pudiere sufrir un perjuicio inminente o irreparable podrá solicitar las medidas urgentes que, según las circunstancias, fueren más aptas para asegurar provisionalmente el cumplimiento de la sentencia.”
Ao lado do dispositivo acima reproduzido de caráter geral e excepcional invocado como causa legal da construção jurisprudencial e doutrinária das chamadas medidas autosatisfativas, temos ainda os princípios processuais consagrados dentro da nova visão contemporânea do Direito Processual, qual seja, a eficiência, celeridade instrumentalidade do processo, o qual, por sua vez, se extraem do texto da Constituição Nacional da Argentina.
Logo no preâmbulo, o Poder Constituinte Originário, erigiu como um dos princípios de constituir a união nacional do Estado Argentino, “afianzar la justicia”, o que implica em reconhecer plenamente a distribuição da justiça pelo Estado, de forma eficiente. Por sua vez, foi declarado no art. 14 o direito de todos a petição aos poderes constituídos e, por fim, no art. 18 a garantia da inviolabilidade da defesa da pessoa e dos direitos em juízo.
Estes princípios-normas constitucionais, é que legitimam ao Poder Judiciário a prestação jurisdicional por meio de medidas urgentes, como a medida autosatisfativa, pois que refletem o escopo atual do direito processual traduzido em Justiça célere e eficiente.
Contudo, não é despiciendo as conclusões a que chegaram os estudiosos do direito Argentino na necessidade de regulamentar por lei os requisitos legais e o âmbito de aplicação das medidas autosatisfativas, já existindo projetos de lei em trâmite que regulamentam a matéria, a exemplo do Proyecto de Código Procesal Civil y Comercial de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires y do anteproyecto Santafesino.
O estabelecimento de normas claras com a inclusão da medida autosatisfativa nos Códigos Processuais das Províncias e também no Nacional é necessário, mormente em prestígio ao due process of law, princípio consagrado mundialmente nos Estados de Direito e explícito no art. 18, da Constituição Nacional Argentina, cujo ainda têm como colorários o contraditório e a ampla defesa que, ante a ausência de um rito claro e pré-estabelecido para as medidas autosatisfativas acabam por ser mitigados.

Medidas correlatas no direito brasileiro.
O Direito Processual Brasileiro não possui nenhuma figura ou instituto idêntico às medidas autosatisfativas criada pela jurisprudência e doutrina Argentinas.
Na verdade, o poder geral de cautela do Juízo está devidamente amparado no Ordenamento Jurídico Brasileiro com os institutos das cautelares e da antecipação da tutela, ambos devidamente previstos no Código de Processo Civil Brasileiro.
Outrossim, além de eficazes os institutos da antecipação da tutela e das cautelares para o nosso Direito Processual, o estabelecimento de um novo instituto através de uma construção puramente jurisprudencial e doutrinária certamente esbarraria nos Princípios Processuais erigidos pela Constituição Federal em Garantias Constitucionais, quais seja, o devido processo legal (art. 5, inc. LIV), o contraditório e a ampla defesa (art. 5, inc. LV).
No entanto, ainda que guardadas as devidas proporções e peculiaridades que estabelecem o Ordenamento Jurídico Brasileiro e Argentino, temos que existe uma espécie de cautelar no Direito Processual Brasileiro similar em sua finalidade ao que se estabelece nas medidas autosatisfativas, pois que também nestas há a presença do caráter satisfativo, pelo que a doutrina denominada cautelares satisfativas, tendo por sua vez a Jurisprudência dos tribunais reconhecido sua existência sem, contudo, ofender as Garantias Constitucionais de ordem processual.

Cautelares Satisfativas.
O poder geral de cautela dos juízes está previsto no art. 798, do Código de Processo Civil Brasileiro, que estabelece: Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”
Por sua vez, ante o caráter instrumental ou de acessoriedade das cautelares, impõe ao requerente a propositura no prazo de 30 dias da lide principal, sob pena de extinção da cautelar e perda dos efeitos que ela tenha produzido.
Ocorre que, da mesma forma como verificado no Direito Argentino, há casos em que um provimento inicial urgente acaba por exaurir a prestação jurisdicional, tornando desnecessário a propositura de uma outra ação ou, até mesmo, de uma dilação instrutória.
Neste caso, sem afastar-se das regras estabelecidas no rito processual das cautelares, a doutrina e jurisprudência Brasileira acabaram por reconhecer a existência das cautelares de natureza satisfativas, as quais uma vez providas pelo juízo exaurem em si mesmas, não estabelecendo qualquer vínculo de acessoriedade com uma ação principal.
Tal posicionamento está pacificado pelas reiteradas posições do Superior Tribunal de Justiça o qual é por norma Constitucional o guardião da legislação federal. Senão vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR. NATUREZA SATISFATIVA. HIPÓTESE EXCEPCIONAL. DISPENSA DA PROPOSITURA DA AÇÃO PRINCIPAL. PRECEDENTES. 1. Via de regra, as medidas cautelares, nos termos dos arts. 806 e 808, inciso I, do CPC, estão vinculadas à propositura da ação principal. Entretanto, a jurisprudência do STJ, considerando a natureza satisfativa da medida cautelar, dispensa, em casos excepcionais, o ajuizamento da ação principal. 2. Recurso especial a que se nega provimento.”
No entanto, diferentemente do que verificamos ocorrer nas medidas autosatisfativas do Direito Argentino, as cautelares satisfativas do Direito Brasileiro inicialmente podem conceder ou não liminarmente o pedido, caso em que deverá a parte demonstrar o periculum in mora e o fumus boni iuris, podendo, ainda, o Juiz exigir a contra-cautela, se assim entender necessário e conforme seja ou não reversível o provimento jurisdicional.
Outra distinção importante é que para a concessão da liminar em medida cautelar, ainda que de caráter satisfativo, não se exige uma forte probabilidade do direito invocado, mas tão somente a verossimilhança.
Isso justifica-se pela existência de um contraditório e ampla defesa, o que permitirá uma dilação probatória previsto no rito das cautelares, havendo realmente uma decisão de mérito na cautelar que confirmará ou não um provimento possivelmente concedido em sede liminar.
Desta forma, os únicos pontos de semelhança que verificamos entre a cautelar de natureza satisfativa do Direito Brasileiro e a medida autosatisfativa do Direito Argentino são a urgênciae a autonomia, os quais derivam da efetividade do Direito Processual o qual é colorário de sua moderna concepção instrumental.

Antecipação da Tutela.
Outro importante instituto processual previsto no Código de Processo Civil é a antecipação da tutela, a qual está prevista em seu artigo 273 e incisos que estabelece: “O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”
Este importante instrumento dá efetividade ao poder geral de cautela do Juiz, pois diferentemente do objetivo das cautelares que buscam não conceder totalmente ou parte da tutela perseguida pelas partes, mas assegurar a efetividade de uma tutela futura, aquele provê em sede liminar parcial ou totalmente a tutela principal e final buscada.
Exige-se para a concessão da tutela a prova inequívoca que convença o juiz da verossimilhança da alegação, portanto, não se exige um juízo de certeza quase absoluto calcado em uma forte probabilidade do direito invocado, como se exige nas medidas autosatisfativas do Direito Argentino. Também, deve a parte demonstrar o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, como requisitos do periculum in mora.
Há ainda uma outra possibilidade em que o juiz poderá conceder a antecipação de tutela e, neste outro caso, muito mais do que uma necessidade urgente da parte em ter parcial ou totalmente provido de imediato o provimento pleiteado na ação, poderá o juiz valer-se deste instituto processual para punir a parte contraria que abusa do seu direito de defesa interpondo recursos procrastinatórios e infundados, faltando assim com a lealdade processual exigida. Neste caso, também prestigia-se a efetividade do processo, impedindo sua morosidade por culpa da parte contrária.

Medidas processuais urgentes na defesa da vida e da saúde.
A vida é um bem inalienável, recebendo a proteção do Estado e de todas pessoas em decorrência de um compromisso social.
A saúde é condição da vida, sem a qual falta-lhe dignidade ou mesmo condição de existência.
Assim é que a Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948 elaborou a conhecida DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, que estabelece o Direito a Vida (art. III), por sua vez, os Estados Americanos em 1969 adotaram a Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos (Pactos San Jose da Costa Rica) que em seu art. 4º estabelece o Direito a Vida enumerando exemplificadamente Direitos e Garantias a ela inerentes.
Certo é que a saúde é colorário do próprio Direito à Vida, sendo um ônus público que acaba também por irradiar as instituições privadas que por delegação ou concessão a desenvolvam através de pesquisas ou tratamentos.
No entanto, sendo o convívio social complexo, dinâmico e calcado na maioria das vezes em princípios econômicos capitalistas e individuais, não são poucas as necessárias intervenções do Poder Judiciário para assegurar a efetiva inalienabilidade do Direito a Vida, seja pela ausência, omissão ou negativa de prestação à saúde pelos órgãos constituídos públicos ou privados as pessoas.
A seu turno, em se tratando de questões que envolvem quase sempre um certo caráter de urgência e, também, de irreversibilidade dos provimentos preliminares adotados nos processos judiciais, deve o Estado assegurar através de medidas processuais próprias e eficazes meios instrumentais para assegurar a vida e a saúde das pessoas.
É nesse diapasão que surgem medidas processuais eficazes e suficientes à assegurar os mais diversos bens da vida, dentre eles e em primeira mão a saúde, como decorrência de um Direito Processual Autônomo, Instrumental, Eficiente e Célere.
Passaremos então a analisar a aplicação da medida autosatisfativa no Direito Argentino no âmbito da garantia efetiva da prestação do Estado à saúde, bem como as medidas correlatas no Direito Brasileiro.

Medida Autosatisfativa como Instrumento de Garantia à Vida e a Saúde.
A doutrina registra o surgimento da medida autosatisfativa no Direito Argentino ante a necessidade da construção jurisprudencial em casos concretos como o conhecido “Clavero, Miguel Angel contra Comitê Olímpico Argentino” que tramitou na Justiça Nacional durante as férias forenses de julho de 1996. Em breve síntese, Clavero é um conhecido e premiado ciclista que havia conseguido índice para disputar pela Argentina as provas de ciclismo nas XXVI Olimpíadas ocorrida nos EUA. Estando já acomodado na vila olímpica, foi informado que deveria desocupar o alojamento e retornar para Argentina, pois seu Comitê Olímpico não havia incluído seu nome na lista dos integrantes dos esportistas daquele país.
Pois bem, Clavero assim que retornou a Argentina, ingressou com duas ações, a primeira um pedido de Amparo e a segunda uma cautelar genérica. Foi exatamente a medida cautelar inominada que culminou na decisão em 24 de agosto de 1996, que dispôs definitivamente:
“Disponer que la demandada arbitre de inmediato las medidas necesarias e idóneas para que, em cuanto de ella dependa, se proceda a la acreditación de Miguel Ângelo Clavero em su condición de integrante de equipo de ciclistas de nuestro país ante los juegos de la XXVI Olimpíada, solventando a su costo o de quien corresponda el importe del pasaje, alojamiento y viáticos necesarios; debiendo adoptar asimismo las medidas pertinentes en la sede de los juegos olímpicos para la efectiva participación de lacto em los mismos (cfr. arts. 230, 232 y concs. del Cód. Proc. Civ. y Com.)”.
A medida de amparo foi dada concluída por ter se esgotada toda a prestação jurisdicional da cautelar proposta, reconhecendo-se aí uma verdadeira medida autosatisfactiva.
A exemplo do caso de Clavero que se tratava de um Direito Desportivo, poderá ocorrer casos em que a parte necessite de uma medida urgente para a defesa da vida e da saúde, que tenha a seu favor a forte probabilidade da procedência do provimento pleiteado, que a medida seja autônoma dispensando qualquer discussão em outra ação.
Com a recepcionalidade da medida autosatisfativa no Direito Argentino como conseqüência da necessária eficiência e celeridades processuais, não tardo sua aplicação em questões bioéticas ligadas à saúde.
A exemplo, ocorreu uma sentença da Justiça Nacional de Primeira Instância, onde os pais de uma criança com cinco anos de idade e que nasceu com uma deficiência conhecida como “Síndrome de Apert”, ingressaram com uma ação de amparo contra Swiss Medical S.A., alegando que a criança possuía cobertura médica desde o nascimento e que necessitava se submeter a cirurgia para colocação de próteses ante a má-formação dos ossos do crânio o que lhe causa risco de vida em razão do crescimento da massa encefálica que não era acompanhada pela caixa craniana. No entanto, a Empresa Médica cuja a criança possuía desde o nascimento plano de saúde pré-pago, recusava-se a custear as despesas, sob a alegação de não cobertura do plano à moderna técnica requerida pela autora e, somente para fins conciliatórias, concordavam em arcar com 50% das despesas orçadas.
Por sua vez, interveio na ação o Defensor de Menores que se manifestou pela aplicação do instituto da medida autosatisfativain verbis:
“Y bien, el principio “iura novit curia” autoriza al juez a aplicar el derecho que a su criterio corresponde sin perjuicio del invocado por las partes. En el caso, entiendo que se está en presencia de una medida autosatisfactiva ya que, expuesto el objeto de la cautelar peticionada, fácil es advertir que ello coincide con el objeto principal del proceso de amparo. Y no puede ser de otro modo por cuanto como proceso asegurativo las medidas cautelares participan de la característica de accesoriedad y provisoriedad y en un caso como el de autos no existe forma de asegurar lo que una única pretensión: el resguardo a la salud mediante la intervención quirúrgica que la menor requiere”.
Por sua vez, acatando o bem lançado argumento do Defensor de Menores, a Juíza Silvia Diaz, sentenciou o pedido cautelar como medida autosatisfativa, com o seguinte fundamento:
No empece por lo anteriormente expuesto que la parte no la haya solicitado si, como se dijera, el juez tiene facultad para encuadrar legalmente el caso.- Por medida autosatisfactiva se ha entendido “una especie de proceso urgente, género global que abarca otras hipótesis en las cuales el factor tiempo posee especial resonancia. En tal sentido, la conclusión N° 4 del Tema 2 de la comisión N° 2 del XVII Congreso Nacional de Derecho Procesal (Santa Fe, Junio de 1995) dijo: “La categoría de proceso urgente es más amplia que la de proceso cautelar. Así, la primera comprende también las denominadas medidas autosatisfactivas y las resoluciones anticipadas” (cfr. Aída Kemelmajer de Carlucci, “Medida autosatisfactiva” bajo dirección de Jorge Peyrano, Pág. 438). Se señala que estas medidas urgentes se agotan en si mismas y se caracterizan por: a) existencia de un peligro en la demora;; b) fuerte probabilidad de que sean atendibles las pretensiones del peticionante no bastando, como en las cautelares, la mera apariencia del derecho alegado; c) dada esta fuerte probabilidad, normalmente no requiere contracautela;; d) es un proceso autónomo en el sentido de que no es accesorio ni tributario respecto de otro agotándose en sí mismos y e) la demanda es seguida de la sentencia (conf. Jurisp. Provincia de Tucumán Civil y comercial Común, “Saliz, Germán David c/Empresa Libertad Línea 8 SRL s/amparo”, 5 de septiembre de 2001, Lex Docthor).-
La fuerte probabilidad mencionada en el punto b) del párrafo anterior se encuentra acreditada. Por un lado, el carácter de afiliada de la menor ha sido tácitamente reconocida como así también el intercambio epistolar y el plan de cobertura médica que manifestaron los representantes legales de la niña. Por otro, lo expuesto por la demandada respecto a si los distractores a colocarse a la menor constituyen o no prótesis (dado que en la folletería adjuntada por la actora respecto al plan den que se encuentra afiliada la menor se señala la cobertura del cien por ciento en “prótesis e implantes internos”), ha sostenido que no revisten esa calidad sino la de “ortesis”. A su respecto expone el letrado apoderado a fs. 29 que el Cuerpo Médico Forense – que se expidiera a fs. 20/21, -manifestó que los distractores “podrían” ser considerados prótesis interna remarcando en negrilla el verbo que he colocado entre comillas, cuando, como luce a fs. 20/21 el dictamen precisa “Estos distractores pueden” ser considerados prótesis internas que tienen el tornillo regulador externo.- De tal modo no es potencial el verbo que expresamente indica que el profesional forense como lo remarcara la entidad y en tal entendimiento, se trata de un tratamiento que conforme al plan médico contratado con la accionada debe ser cubierto en un ciento por ciento.- El peligro en la demora se encuentra configurado. Así, el Cuerpo Médico Forense señala que la única posibilidad de tratamiento de la menor es el quirúrgico “que sin ser una urgencia se debe realizar lo antes posible”, siendo que conforme lo dictaminado los dos distractores de estructura amorfa de Lactosorb de tercio medio facial sobre tomografía tridimensional de Walter Lorenz es el método más moderno de esta patología en la niñez y el más aconsejable. Explica el experto que el mencionado tratamiento es recomendable frente a tratamientos clásicos quirúrgicos con osteosítesis de titanio ya que éstos a veces producen rechazos y siempre es necesario realizar un segundo acto quirúrgico para su extracción lo que no sucede con los distractores mencionados por ser reabsorbibles en cinco o seis meses siendo esa la única marca en el mundo que cubre esas condiciones. Es decir, deja de ser un tratamiento alternativo a poco que se repare en las consecuencias que otras prácticas puede aparejar y la posibilidad de que la intervención pueda ser realizada con éxito en beneficio de la salud de la menor, derecho de raigambre constitucional conforme lo establece el Art. 42 de la Carta Magna así como en el Art. 12 del Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, ONU, ratificado por ley 23313 de jerarquía superior a las leyes internas en un todo de acuerdo a lo establecido por el Art. 22 de la Constitución Nacional (cfr. Cam. Nac. Apel. En lo civil y Com. Fed., Sala 2, “G.D.E. c/Obra Social de aeronavegantes s/incidente de apelación medida cautelar”, 1° de abril de 1997). Asimismo encuentra fundamento legal para la procedencia de la cuestión de fondo lo dispuesto por la ley 23754, 23660, 23661 y 24455 y sus respectivas reglamentaciones.- Habiéndose otorgado el traslado a la demandada resguardándose de este modo el derecho de defensa en juicio, por los fundamentos expuestos RESUELVO:

I) Hacer lugar en calidad de medida autosatisfactiva a la pretensión ejercida disponiendo que la demandada -Swiss Medical SA – otorgue la cobertura del cien por ciento (100%) del costo total de los distractores de estructura amorfa de Lactosorb de tercio medio facial sobre tomografía tridimensional de Walter Lorenz cuyas demás características surgen del presupuesto obrante a fs. 8, en el termino de cinco días de notificada la presente bajo apercibimiento de astreintes que oportunamente se fijarán.-
II) Sin necesidad de contracautela atento los fundamentos expuestos en el decisorio y naturaleza de la cuestión.
III) Costas a la demandada vencida. Notifíquese en el día por secretaría y al Sr. Defensor de Menores en su despacho”.
Como se depreende da acertada decisão da magistrada, verificando o preenchimento dos requisitos ensejadoresandou bem sua decisão em acatamento do pedido do Defensor de Menores em julgar a ação convertendo seu processamento em um medida autosatisfativa conforme construção da doutrina e jurisprudências. É patente que uma medida urgente adotada neste caso esgotou com a própria decisão que reconheceu o direito invocado, prestigiando em sua decisão à vida como complexo de relações orgânicas e psicológicas.
Outro caso julgado como medida autosatisfativa envolvia uma mulher que pediu em seu nome e de seus filhos menores autorização judicial para que lhe fosse interrompida a gravidez, ante o grave risco de vida que a gestação lhe impunha em razão de sofrer de miocardiopatia dilatada com severa deterioração da função ventricular, com episódios de insuficiência cardíaca descompensada e limitação da capacidade funcional, bem como endocarditis bacteriana e arritmia crônica com alto índice de mortandade materno fetal.
Preenchendo no Direito Argentino seus requisitos é a urgente necessidade de submissão do paciente a exames e tratamentos sob pena da perda da própria vida. Também aqui uma decisão concessiva do provimento acabaria por exauri-se em si mesma, dispensando a discussão em outra lide.
Portanto, ante a grande carga de efetividade e celeridade da medida autosatisfativa no Direito Argentino, deve se buscar seu reconhecimento e aplicação em casos que preencham seus requisitos ensejadores, mormente em se tratando da defesa de bens inalienáveis como a vida e a saúde física e psíquica.

Cautelar satisfativa e antecipação de tutela no Direito Brasileiro como Instrumento de Garantias à Vida e a Saúde.
Como já constatamos em linhas volvidas, o Direito Processual Brasileiro já possuí devidamente codificado os institutos da cautelar e antecipação de tutela, suficientes não só para assegurar mais também para conceder de forma célere e eficiente o provimento jurisdicional necessário à defesa e garantia dos direitos de todos.
A autonomia verificada na cautelar satisfativa não desnatura sua natureza cautelar, conforme entendimento doutrinário e jurisprudência já remansoso, apenas dispensa o requisito da propositura de outra ação que se esvazia ante sua autosuficiência.
No entanto, o rito com suas garantias constitucionais mantém-se incólume, não havendo ofensa ou prejuízo à parte contrária, que terá oportunidade para exercer o contraditório e a ampla defesa, razão pela qual torna-se desnecessária o enquadramento da cautelar satisfativa em outra categoria de procedimentos judiciais.
A aplicação de ambos os institutos (cautelares e antecipação de tutela) no Direito Brasileiro na defesa e em garantia do direito à vida e a saúde é práxis comum e tem reafirmado ser suficiente para assegurar a efetividade e celeridade que a matéria exige.
A cautelar satisfativa é comum por exemplo para assegurar o acesso a documentos médico, hospitalares e pertinentes a seguro, independentemente da propositura de qualquer outra ação. Senão vejamos o que tem decidido o Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO DO TRIBUNAL A QUO. INEXISTÊNCIA. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. NATUREZA SATISFATIVA. HIPÓTESE EXCEPCIONAL. DISPENSA DE PROPOSITURA DE POSTERIOR AÇÃO PRINCIPAL. PRECEDENTES. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. REEXAME DA MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 07/STJ. 1. Cuidam os autos de ação cautelar de exibição de documentos ajuizada por Antônia Maria Santana dos Santos contra o Estado da Bahia objetivando ter acesso à documentação necessária (bilhete de seguro e documento de propriedade do veículo – DUT) para pleitear indenização pela morte de seu companheiro em conseqüência de acidente de trânsito, ao conduzir veículo de propriedade do réu. Sentença julgou procedente o pedido. Acórdão do TJBA negou provimento ao recurso de apelação e também ao reexame necessário sob os seguintes fundamentos: a) rejeitada a preliminar de falta de pressuposto processual da ação cautelar, uma vez que são admitidas pela doutrina e jurisprudência pátria as medidas cautelares de natureza satisfativa; b) afastada a preliminar de carência de ação por falta de interesse processual, por estar demonstrada a necessidade e utilidade do provimento jurisdicional buscado pela autora; e c) quanto ao mérito, não alcança êxito a irresignação do apelante, pois o Estado não negou a existência do documento nem comprovou que o tivesse disponibilizado, ou mesmo a impossibilidade de fazê-lo. Opostos embargos de declaração, estes foram rejeitados. No recurso especial, o Estado alega, preliminarmente, afronta ao art. 535, II, do CPC, e no mérito, aponta violação do art. 267, incisos IV e VI, do CPC, defendendo que a ação cautelar deve ser extinta sem julgamento do mérito porque não indicou a futura ação principal que visa assegurar e também pela falta de interesse de agir, uma vez que não houve negativa da Administração em exibir os documentos pleiteados. Apresentadas contra-razões pela parte autora. Proferido juízo positivo de admissibilidade, subiram os autos a esta Corte. 2. Os fundamentos nos quais se suporta a decisão a quo são claros e nítidos, percebendo-se que houve a apreciação de todos os pontos pertinentes ao deslinde da causa, sendo desnecessária a indicação expressa dos dispositivos legais aventados nos aclaratórios. Portanto, repele-se a alegada infringência do art. 535, II, do CPC. 3. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça admite, em hipóteses excepcionais, como no caso, as medidas cautelares com efeito satisfativo, a dispensar a propositura de posterior ação principal. Precedentes. 4. Quanto à alegação de falta de interesse processual em razão da desnecessidade do provimento jurisdicional perseguido, uma vez que não teria havido negativa da Administração para exibir os documentos requeridos, o apelo nobre não merece conhecimento, porquanto a análise ensejaria o reexame do conjunto fático-probatório apreciado nos autos, desiderato inviável nesta estreita via recursal. Incidência da Súmula nº 07/STJ. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não-provido. Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luiz Fux, Teori Albino Zavascki e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Francisco Falcão”. – Grifamos.
“PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – VIOLAÇÃO AO ART. 798 DO CPC – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO E DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO – SÚMULAS 356 E 284 DO STF – AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS – NATUREZA SATISFATIVA – DISPENSA DO REQUISITO CONTIDO NO ART. 801, III, DO CPC (INDICAÇÃO DA LIDE E SEU FUNDAMENTO). 1 – Não enseja interposição de recurso especial matéria não ventilada no julgado atacado e sobre a qual está deficiente a fundamentação da parte recorrente. Incidência das Súmulas 356 e 284 do STF. 2 – Em regra, as ações cautelares têm natureza acessória, ou seja, estão, em tese, vinculadas a uma demanda principal, a ser proposta ou já em curso. Ocorre que, em hipóteses excepcionais, a natureza satisfativa das cautelares se impõe, como no caso vertente, em que a ação cautelar de exibição de documentos exaure-se em si mesma, com a simples apresentação dos documentos, inexistindo pretensão ao ajuizamento de ação principal. Desta feita, nos casos em que a ação cautelar tem caráter satisfativo, não há que se falar no indeferimento da petição inicial pela inobservância do requisito contido no art. 801, III, do CPC, segundo o qual “o requerente pleiteará a medida cautelar em petição escrita, que indicará a lide e seu fundamento”. Precedentes (REsp nºs 104.356/ES e 285.279/MG). 3 – Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido para determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que seja julgada a ação cautelar de exibição de documentos. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conhecer parcialmente do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, com quem votaram de acordo os Srs. Ministros BARROS MONTEIRO, CÉSAR ASFOR ROCHA, FERNANDO GONÇALVES e ALDIR PASSARINHO JÚNIOR.” – Grifo nosso.
Neste último julgado colacionado, trata-se de ação que buscou compelir a um médico que apresenta-se a ficha médica de seu paciente falecido à família, documento indispensável para que estes recebem o seguro de vida.
Ambos os casos envolvem um pedido de provimento jurisdicional para compelir que profissionais liberais (médico) ou agentes públicos apresentassem documentos que encontravam em seu poder e que poderiam permitir que os requerentes buscassem ou não a satisfação de um direito específico.
No caso do médico, por se tratar de paciente falecido, invocava o sigilo médico como causa da negativa de entregar a ficha a membro da família de seu paciente, o que não só não ofendia a ética médica, como também impedia a família de receber informações conclusivas acerca da evolução da doença e do seguro de vida.
Ainda, mais efetivamente na defesa do bem vida e saúde, não tem sido poucas as decisões que efetivamente asseguram aos jurisdicionado a sua manutenção e tratamento de forma eficiente e célere na via da ação cautelar, in verbis:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – MEDIDA CAUTELAR – CONCESSÃO DA LIMINAR – PRELIMINAR – CARÊNCIA DA AÇÃO – DESPESAS DE TRATAMENTO MÉDICO – PERÍODO DE CARÊNCIA – PLANO DE SAÚDE – VIDA – BEM JURÍDICO MAIOR – REQUISITOS PRESENTES – RECURSO IMPROVIDO. Ao Juiz compete decidir com justiça e eqüidade, máxime que a interpretação da lei deve ser sua preocupação maior em dar solução justa à causa. Diante da perspectiva da possibilidade de dano irreparável ou de difícil e incerta reparação, bem como da demora no desfecho da lide, deferiu o Juiz a quo com acerto a liminar. Vistos, relatados e discutidos os autos do Recurso de Agravo de Instrumento – Classe II – 15 – nº 14.466, da Capital. ACORDA, em TURMA, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, unanimemente, negar provimento ao recurso. Custas pela agravante.”
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – MEDIDA CAUTELAR – CONCESSÃO DA LIMINAR – PLANO DE SAÚDE – PACIENTE QUE JÁ SE ENCONTRAVA RECEBENDO TRATAMENTO MÉDICO-HOSPITALAR – RESCISÃO DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO OCORRIDO – SUSPENSÃO E/OU INTERRUPÇÃO DO TRATAMENTO INADMISSÍVEL – VIDA – BEM JURÍDICO MAIOR – REQUISITOS PRESENTES – RECURSO IMPROVIDO.
Presentes os requisitos da fumaça do bom direito e do perigo da demora, deve ser mantida a decisão deferitória de liminar em medida cautelar preparatória na qual se determinou a manutenção da internação hospitalar de associada da UNIMED em razão da gravidade do seu estado clínico, independentemente de haver aquela entidade rescindido o contrato de prestação de serviço firmado com a fonte empregadora do beneficiário direto do plano de saúde, já que o bem maior a ser protegido em primeiro lugar é a vida do ser humano. Vistos, relatados e discutidos os autos do RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 21992/2003 – CLASSE II – 15 – COMARCA CAPITAL. ACORDAM os Membros da SEGUNDA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DESEMBARGADOR BENEDITO PEREIRA DO NASCIMENTO, em negar provimento ao recurso, unanimemente, nos termos do voto do relator e dos demais constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente acórdão”.
Como se constata dos arestos colacionados do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, tem o Pode Judiciário assegurado de forma efetiva e célere o bem da vida e da saúde através das medidas cautelares, sejam elas satisfativas ou não.
Tal é possível em razão da possibilidade de concessão de liminar quando presentes os requisitos da fumação do bom direito e o perigo da demora, devidamente lastreados em prova pré-constituída.
Mas, ainda, há a possibilidade de já em uma demanda principal alcançar-se no todo ou em parte o provimento jurisdicional pleiteado logo no despacho inicial, através da antecipação da tutela. Senão vejamos:
“RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS C/C ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – ALEGADA AUSÊNCIA DE REQUISITOS LEGAIS À CONCESSÃO DA ANTECIPAÇÃO – INSUBSISTÊNCIA – RECURSO IMPROVIDO. Em razão das informações contidas no laudo do médico que realizou a cirurgia, mantém-se a cautelar concedida pela magistrada sentenciante em face das razões suficientes e inequívocas da necessidade de tratamento médico adequado e especializado com a máxima urgência. Vistos, relatados e discutidos os autos do RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 32364/2003 – CLASSE II – 15 – COMARCA DE SORRISO. ACORDAM os Membros da SEGUNDA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DESEMBARGADOR BENEDITO PEREIRA DO NASCIMENTO, unanimemente, em rejeitar a preliminar argüida. Por maioria, em improver o recurso, nos termos do voto do relator”
No vertente caso, a antecipação de tutela foi concedida para, em sede preliminar e antes mesmo de julgado o mérito de uma ação de reparação de danos materiais e morais, os Requeridos suportassem o ônus de custear o tratamento médico reparatório necessário para corrigir dano causado em um nervo da mão de uma criança em razão de erro médico.
A Juíza de primeira instância, em duas oportunidades, decidiu antecipando parcialmente a tutela persequida pela autora, decidindo que, in verbis:
“… DEFIRO o pedido de antecipação de tutela formulado pelos requerentes na petição inicial, para determinar que os requeridos arquem com toda e qualquer despesa relacionada ao tratamento da requerente, até a decisão final do feito, cabendo ao Estado de Mato Grosso autorizar a realização dos exames através de um de seus órgãos, nesta Cidade de Sorriso. Assim, intimem-se os requeridos João Shuji Yamaguchi e Lauro Macalino Ribeiro a efetuarem, cada qual o depósito de 50% (cinqüenta por cento) do valor apresentado no orçamento de fls. 231, no prazo de 48hs (quarenta e oito) horas, sob as penas da lei. Fixo multa diária no valor de R$500, 00 (quinhentos reais), para o caso de não-cumprimento da obrigação”.
A decisão liminar da juíza que antecipou parte da tutela pleiteada na ação foi mantida incólume pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, demonstrando-se, portanto, eficaz e célere o provimento jurisdicional no caso concreto, de forma a demonstrar que o instituto da antecipação da tutela é capaz de satisfazer as novas exigências do Direito Processual contemporâneo calcado na sua instrumentalização.

Conclusões.
O Direito Processual evoluiu e rompeu o sincretismo que havia com o direito material e, uma vez rompido este obstáculo, desenvolveu-se até atingir o pensamento contemporâneo que tem como escopo sua instrumentalização voltada a uma maior efetividade e celeridade na prestação jurisdicional.
medida autosatisfativa é importante inovação surgida na doutrina e jurisprudências Argentina, demonstrando a formação de um pensamento jurídico-processual inovador e preocupado com a busca da efetividade e celeridade processuais.
Contudo, é necessária a codificação e estabelecimento de regras claras, de forma a não se suprimir o devido processo legal, assegurando a parte contrário o contraditório e a ampla defesa, sob pena de atribuir-se um poder discricionário perigoso aos Juízes.
No Brasil, as cautelares satisfativas ou não, ao lado do instituto processual da antecipação da tutela, tem-se mostrados instrumentos hábeis e eficazes à atender as novas vertentes do Direito Processual contemporâneo, tendo inclusive já sido formada uma cultura doutrinária e jurisprudencial pacificada.
Sendo o direito a vida e a saúde física e psíquica bens inalienáveis e, portanto, de categoria que deve prevalecer sobre os demais, impõe-se sempre ao Estado-Juiz envidar esforços para prestigiar sua defesa e garantia com decisões céleres e eficazes, valendo-se de instrumentos processuais hábeis como a medida autosatisfativa na Argentina e as cautelares e antecipação de tutela no Brasil.

Resumen

Medidas autosatisfactivas. Aspectos jurídicos y su aplicación en la defensa de la vida y de la salud.
El Derecho Procesal conquistou su autonomía frente al Derecho Material, rompendo un sincretismo que lo limitava mientra ciencia jurídica propia. De esta conquista, hubo crecente evolución instrumental en la concecución del provimiento jurizdicional, tenendo como colorarios la eficiencia y celeridad, o sea, no tiene lo Derecho Procesal como fin la autoafirmación en si mismo como cienciajurídica autónoma, mas sí la su parcela de contribuición para lo Estado de Derecho en la distribuición de la almejada Justicia. De estes principios surgidos en lo Derecho Procesal los Ordenamientos Jurídicos también evolucionaran, buscando alternativas para alcanzar lo fin deseado. Como la construcción doctrinária y jurisprudencial de las medidas autosatisfactivas en lo Derecho Argentino. En Brasil las cautelares satisfactivas o no y la antecipación de la tutela son institutos aptos de atender los nuevos contornos de lo Derecho Procesal atual. En este diapasón, biens inalienables como la vida y la salud física y mental debén recibir protección a contar de la aplicación de los nuevos instrumentos procesales surgidos.
Palabras-llave: Medidas autosatisfactivas; Derecho Procesal Moderno; Protección la vida y la salud.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1. SANTOS, M. Medida autosatisfactiva y medida cautelar: semejanzas y diferencias entre ambos institutos procesales. p. 33.
2. PEYRANO. Reformulación de la teoria de lãs medidas cautelaresApud SANTOS, M. ob. cit., p 33.
3. SANTOS, M. ob. cit., p 35.
4. PEYRANO. Apud ROJAS, JA. Una Cautela Atípica. Doctrina, p. 61.
5. LAZZATI, PA. Las esquirlas de la mundialización en el ámbito previsional frente al freno de la Tutela Urgente: una globalización acriollada. Disponible no site: http://www.diariojudicial.com.ar/nota.asp?IDNoticia=9940. Acesso em 19.04.2007.

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Gilson Ely Chaves de Matos − [email protected]

Corresponde regular legalmente como categoria autónoma y diferenciada al llamado proceso urgente, género que se caracteriza por registra en su seno un reclamo acentuado de una pronta, expedita y eficiente respuesta jurisdiccional. El mismo está integrado, entre otras, por las siguientes especies: las medidas cautelares, las medidas autosatisfactivas, las sentencias anticipatorias y la variante de esta última especie, constituida por la denominada cautela material. 2) Ínterin se concreta la regulación legal sugerida puede recurrirse – en casos absolutamente excepcionales – al artículo 232 del Código Procesal de la Nación o normas análogas igualmente consagratorias del poder cautelar genérico, para proporcionar soluciones urgentes no cautelares

2 Resulta imperioso reformular la teoría cautelar ortodoxa, dándole así cabida legal a los procesos urgentes y a la llamada medida autosatisfactiva.
La medida autosatisfactiva es una solución urgente no cautelar, despachable in extremis, que procura aportar una respuesta jurisdiccional adecuada a una situación que reclama una pronta y expedita intervención del órgano judicial. Pose ela característica de que su vigencia y mantenimiento no depende de la interposición coetánea o ulterior de una pretención principal.
Su dictado está sujeto a los siguientes requisitos: concurencia de una situación de urgencia, fuerte probalidad de que el derecho material del postulante sea atendible; quedando la exigibilidad de la contracautela sujeta al prudente arbítrio judicial.
Hasta tanto se regule legalmente la medida autosatisfactiva, puede fundamentarse su dictado en la potestad cautelar genérica o en una válida interpretación analógica extensiva de las disposiciones legales que expresamente disciplinam diversos supuestos que pueden calificarse como medidas autosatisfactivas.

3 STJ, 1ª T., REsp 682.583/RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 31.08.2006.

4 Clarín Digital. La Justicia falló a favor de Clavero.

5 Correspondente ao mandado de segurança no Direito Brasileiro.

6 EXPTE. 41835/2002 – “T. J. Y otro c/Swiss Medical SA” – JUZGADO NACIONAL DE PRIMERA INSTANCIA EN LO CIVIL N° 3 – 19/07/2002. Disponible no site: http://www.bioetica.bioetica.org/juris1.htm. Acesso em: 19.04.2007.

7 STJ, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, REsp. 809385, DJ 31.08.06.

8 STJ, 4ª T., REsp 744620, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 12.09.2005.

9 TJMT, 2ª C.C., AI 14.466, Rel. Des. Benedito Pereira do Nascimento, j. em 30.10.2001.

10 TJMT, 2ª C.C., AI 21992, Rel. Des. A. Bitar Filho, j. em 1.06.2004.

11 TJMT, 2ª C.C., AI 32364, Rel. Des. A. Bitar Filho, j. em 01.06.2004.

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